“Ciência, poder e poesia na capital imperial”, a frase é de Omar Khayyam (1048-1131), poeta, matemático, astrônomo e filósofo que passou a juventude e o início da vida adulta em Samarcanda, cidade uzbeque que é uma das mais antigas ainda habitadas do mundo.
O polímata persa foi fruto de um dos maiores cruzamentos de culturas da história. Há quase um milênio, Omar calculou o tempo que a Terra leva para dar uma volta no sol com precisão de segundos, determinando as regras dos anos bissextos no calendário Jalali, ainda em uso no Irã. No Ocidente, tal ajuste só se deu cinco séculos depois, com a adoção do calendário Gregoriano.
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No Tratado de Álgebra escrito em Samarcanda, Khayyam concebeu a teoria geral das equações cúbicas, e deveria ser considerado o pai da geometria analítica (Descartes só nasceria 500 anos depois). Em equações de uma variável, ele usava o termo xai, “coisa” em árabe, para descrever a incógnita. Mais tarde, espanhóis passaram a usar a primeira letra da palavra e, assim, o “x” se tornou símbolo universal do fator desconhecido nas equações. Além da astronomia e da matemática, Khayyam ficou eternizado no Rubaiyat, sua magnífica coleção de quartetos poéticos.
Na mesma região e no mesmo período viveu Hassan Sabbah (1050-1124), líder da Ordem dos Ismailis. Em 1090, Hassan tomou o forte de Alamut, no atual Irã, que se tornou sede da temida seita. A prática da ordem não era baseada em ataques em grande escala, mas na execução de chefes rivais através da infiltração de seus seguidores nas fileiras inimigas. A missão, para a qual eram altamente treinados, era executar o líder adversário com uma adaga, em ataques invariavelmente suicidas. Sabbah chamava seus discípulos de Assassiyun (os fiéis da assass, o fundamento da fé). Desde então, a palavra “assassino” e suas variações foram incorporadas em quase todas as línguas ocidentais.
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A região sofreu com a brutalidade de Gengis Khan e de seus descendentes, dominação que encerraria, em 1363, graças a Amir Timur, que fez com que Samarcanda ressurgisse das cinzas para se tornar a capital de um vasto império. Embora fosse um invasor impiedoso, que costumava construir altas pirâmides com as caveiras dos povos invadidos, Timur destoava dos mongóis por ser afeito à arte e à cultura. Os melhores artistas, arquitetos, escritores e cientistas que encontrava eram trazidos para Samarcanda, que se tornou a cidade mais rica e interessante de seu tempo.
A região tem pontos de grande interesse, além do fascinante ambiente da cidade antiga, onde até hoje se respira a magia da era timúrida e da Rota da Seda. Na vasta Praça Reguistão, três madraças formam o local mais simbólico. A mais antiga, de 1417, é a de Ulugue Begue, neto do herói nacional. Além de soberano, ele foi professor e projetou um sofisticado observatório, hoje em ruínas.
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O Mausoléu do Emir (Gur-e-Amir) contém a tumba de Timur. A impressionante arquitetura do lugar serviu de inspiração para outros mausoléus erigidos por sua prole, como o Taj Mahal, na Índia. Outro local espetacular é a necrópole de Shahi Zinda, sob cujas magníficas cúpulas repousam familiares de Timur e seus chefes militares. Como nas demais obras históricas da região, fiquei perplexo com a esplêndida decoração, sempre carregada de significado político e religioso.
Mergulhada na poesia e na filosofia de Omar Khayyam, sob os monumentos do conquistador Amir Timur e seus descendentes, Samarcanda respira tranquilidade. Tendo passado por glória e riqueza, assim como por sofrimento e dominação, o coletivo parece entender que sabedoria e virtude valem infinitamente mais do que opulência e abundância.
Iniciei com as palavras de Omar Khayyam que ecoam o duplo conceito grego do tempo (Chronos e Kairós), perdido nas línguas ocidentais. No dia em que se intensificava mais um conflito no Oriente Médio, saí de Samarcanda com um utópico desejo: o de que líderes e liderados lembrassem que, apesar de todos os avanços conquistados no tempo cronológico, para o tempo profundo e passional nada importa mais do que serenidade, justiça e humanidade.
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