Cultura e Lazer

Pelo mundo: resgatada de seu próprio inferno (parte 1)

Um desastre cultural não é remediado com chumbo ou prata (violência ou dinheiro), mas com uma educação para a paz, construída sobre os escombros de um país inquieto no qual nos acordávamos cedo para seguir matando uns aos outros.” Gabriel García Márquez, escritor colombiano e Prêmio Nobel de 1982.

Caminhando pelas ruas de Bogotá, eu reparava na população a tranquilidade e a alegria proporcionadas pela segurança e pelo sentimento de que o país avança social e economicamente. Melhor ainda é saber que, após décadas de truculência, polarização e violência militar, as melhorias vieram através da política autêntica e do diálogo. Para entender o sentimento de alívio dos colombianos, é preciso conhecer a história mais recente do país fundado no início do século 19 pelo libertador Simón Bolívar.

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Após décadas de alternância entre os partidos liberal e conservador, ambos sob o controle de oligarquias locais, surgiu nos anos 1940 uma nova liderança. Com forte apoio da juventude e da população rural, o ex-ministro da educação e ex-prefeito de Bogotá, Jorge Eliécer Gaitán (1903-1948), era o favorito para as eleições presidenciais. Pouco antes do pleito, contudo, Gaitán foi assassinado à luz do dia, aniquilando a esperada chance de um representante de trabalhadores e oprimidos assumir maior protagonismo político.

Aidir Parizzi diante da Catedral Primacial da Colômbia, em Bogotá, construída em 1807 | Foto: Acervo pessoal de Aidir Parizzi Júnior
Sempre referência: Praça Bolívar, no centro da capital, homenageia o libertador do país | Foto: Acervo pessoal de Aidir Parizzi Júnior

O assassinato resultou na enorme revolta popular conhecida como Bogotaço, que destruiu a região central da capital. Iniciava ali o período conhecido como “La Violencia”, em que o governo conservador usou ostensiva força policial e militar contra os liberais revoltosos, que então passaram a se organizar em uma força armada.

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Em 1958, após milhares de mortes e prisões, os dois partidos chegaram a um acordo, criando a Frente Nacional, que intercalou novamente o poder entre liberais e conservadores. O retorno da elite ao poder reacendeu a revolta no interior do país. Liderados pelo ex-liberal Pedro Marín (codinome Manuel Marulanda), os revoltosos criaram um enclave independente, a República de Marquetalia, que, embora baseada em princípios comunistas e inspirada na revolução cubana, não desejava um conflito com o governo.

Em 1964, com apoio dos Estados Unidos, o Exército Nacional enviou 16 mil tropas para combater Marquetalia, que contava com não mais do que 50 homens armados. Marulanda e seus comandados fugiram para a selva colombiana e fundaram as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, mais conhecidas como Farc.

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Os princípios originais das Farc eram a igualdade de direitos e a melhoria das condições da população, principalmente no meio rural. Milhares aderiram e, para sustentar tal exército, eram necessários recursos. Em 1970, foi adotada a estratégia de cobrar taxas do tráfico de cocaína e, ao encontrarem resistência, sequestrar familiares dos traficantes.

O crescimento do grupo passou a chamar a atenção de Bogotá, culminando no acordo com parte dos liberais que criou a União Patriótica (UP). Pela primeira vez, um grupo da esquerda radical passou a ter representação no congresso. Contra eles, todavia, uniram-se o governo conservador, o exército e os traficantes, dissolvendo o movimento através da repressão dos apoiadores e do assassinato dos principais líderes, sempre com a justificativa de evitar o comunismo.

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Em uma bola de neve de violência, as Farc passaram a sequestrar civis que apoiavam o governo e, no início dos anos 90, a situação perdeu o controle. A Colômbia se tornara um dos países mais violentos e perigosos do planeta. Finalmente, após décadas de conflito e violência, o presidente Juan Manuel Santos decidiu investir no diálogo, pacificando a Colômbia. O êxito lhe valeu o Prêmio Nobel da Paz de 2016 e a população pôde, finalmente, focar na recuperação do país.

Falar da Colômbia ou das Farc sem entender as origens e a história induz a erros e à desinformação tendenciosa. A violência da guerrilha e de seus atos criminosos é lamentável. Da mesma forma, a opressão e a injustiça levam a níveis insustentáveis de sofrimento humano que podem causar um caos social como o que ocorreu na Colômbia.

Em vez de discórdia irracional e conflito, tentar dialogar com legítimos opositores é sempre mais sensato. A Colômbia ainda tem problemas de desigualdade e desenvolvimento, mas é uma prova de que, com boa vontade e inteligência, é possível sair rapidamente de uma situação que parecia sem solução, ressurgindo com melhor qualidade de vida, paz e esperança.

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Carina Weber

Carina Hörbe Weber, de 37 anos, é natural de Cachoeira do Sul. É formada em Jornalismo pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) e mestre em Desenvolvimento Regional pela mesma instituição. Iniciou carreira profissional em Cachoeira do Sul com experiência em assessoria de comunicação em um clube da cidade e na produção e apresentação de programas em emissora de rádio local, durante a graduação. Após formada, se dedicou à Academia por dois anos em curso de Mestrado como bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Teve a oportunidade de exercitar a docência em estágio proporcionado pelo curso. Após a conclusão do Mestrado retornou ao mercado de trabalho. Por dez anos atuou como assessora de comunicação em uma organização sindical. No ofício desempenhou várias funções, dentre elas: produção de textos, apresentação e produção de programa de rádio, produção de textos e alimentação de conteúdo de site institucional, protocolos e comunicação interna. Há dois anos trabalha como repórter multimídia na Gazeta Grupo de Comunicações, tendo a oportunidade de produzir e apresentar programa em vídeo diário.

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