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Pelo mundo: onde a história não cansa de acontecer

A neve cobria o histórico pavimento de pedras escuras da Praça Vermelha. A névoa densa daquela madrugada de abril deixava as cores pálidas e suavizava os contornos das históricas e imponentes construções ao redor. Emociono-me ao entrar naquela praça sem árvores e sem vida, tendo ao meu redor seis séculos de uma história de pompa, glória, mistério e sofrimento. Ali a história nunca cansou de acontecer.

Ao sul, com o caudaloso Rio Moscou correndo ao fundo, está a deslumbrante catedral de São Basílio e as nove cúpulas coloridas, construída pelo czar Ivan, o Terrível, em 1561. Caminhando na praça quase deserta, os versos de uma canção de Vitor Ramil não me saíam da cabeça: “Se na praça em Moscou, Lenin caminha e procura por ti, sob o luar do oriente, fica na tua”. Na mente, eu sentia o chão estremecer com pesados caminhões militares, tanques e o ritmo de pesados coturnos desfilando em absoluta disciplina diante de sisudos líderes comunistas. A sensação de se sentir inserido em um dos palcos da história que formou e forma nossa realidade, sendo ela boa ou ruim, é indescritível.

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O suntuoso interior do Kremlin (fortaleza, em russo), expandido a partir do czar Ivan III, o Grande (1460-1505), é uma série de construções, imponentes palácios e igrejas. A catedral mais antiga é a da Dormição, de 1479, agrupada no centro do Kremlin com a de São Miguel Arcanjo (1509) e a da Anunciação (1489). Entre belos ícones e castiçais ortodoxos estão as tumbas cuidadosamente decoradas de czares e príncipes. O Grande Palácio do Kremlin, com 700 dependências, foi construído entre 1838 e 1849 e nos museus da cidadela de Moscou. No meio de muita regalia imperial, destacam-se os famosos ovos Fabergé, obras de arte ligadas à glória e ao trágico destino da dinastia Romanov.

Exuberantes catedrais do Kremlin remetem à rica e milenar história dos eslavos | Foto: Acervo Pessoal

As paredes do Kremlin também guardam um homem que nos trouxe um dos momentos mais marcantes dos últimos séculos, comparável até mesmo a Cristovão Colombo, Marco Polo e Neil Armstrong. Em 1961, aos 27 anos, Yuri Alekseievitch Gagarin foi o primeiro humano a emergir da última camada da estratosfera, a bordo da rudimentar espaçonave Vostok 1. Ao ver a cápsula esférica no Museu RKK em Moscou, pensei comigo que me sentiria mais seguro voando em uma máquina de lavar roupas do que naquela estrutura aparentemente primitiva. O mérito vai bem além de Gagarin, é claro. É o resultado do sacrifício, da abnegação e do intelecto de um batalhão de cientistas e engenheiros. Apesar dos parcos recursos, os russos quase sempre encontraram soluções, algumas geniais, para problemas e desafios. Aprendi sobre busca de soluções neste período difícil para a Rússia pós-soviética, com poucos recursos, mas com cérebros brilhantes. É o que se chama de Engenharia da Escassez onde, paradoxalmente, por vezes é mais difícil encontrar soluções extraordinárias quando há abundância de recursos.

Os cosmonautas Yuri Gagarin e Valentina Tereshkova, o primeiro homem (1961) e a primeira mulher (1963) no espaço

Uma pirâmide escalonada de granito vermelho e preto ao lado do muro do Kremlin, na Praça Vermelha, guarda o corpo preservado do líder bolchevique Vladimir Ilyich Ulyanov, que se tornou mais conhecido como Lenin. Sob uma redoma de vidro, o franzino corpo embalsamado parece repousar desde a morte, em 1924. Em uma gelada manhã de sábado, desci as escadas e corredores escuros até chegar à solene cripta. Enquanto circundo o cadáver, guardas se certificam de que nenhuma conversa ocorra na câmara mortuária e ordenam que não se pare em nenhum instante. É o suficiente para ver Lenin como se estivesse em sereno sono, de terno escuro e barba bem aparada sobre o leito de veludo vermelho. A arte em relevo no mármore e a ciência por trás da preservação do corpo humano me impressionam tanto quanto a mediocridade de venerar um mortal de forma quase religiosa, partindo de um regime que era, por natureza e por lei, ateu.

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Os sonhos de Lenin e Marx reverberaram por todo o planeta, desenvolveram algumas nações, levaram outras à ruína e mataram milhões na tentativa de expansão e domínio. Até hoje causam admiração e inspiração, mas também revolta e ódio. Com aquele corpo imaculado na redoma, o homem Vladimir parece tentar libertar-se da morte e desesperadamente continuar eternizando as revolucionárias ideias.

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Heloísa Corrêa

Heloisa Corrêa nasceu em 9 de junho de 1993, em Candelária, no Rio Grande do Sul. Tem formação técnica em magistério e graduação em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo. Trabalha em redações jornalísticas desde 2013, passando por cargos como estagiária, repórter e coordenadora de redação. Entre 2018 e 2019, teve experiência com Marketing de Conteúdo. Desde 2021, trabalha na Gazeta Grupo de Comunicações, com foco no Portal Gaz. Nessa unidade, desde fevereiro de 2023, atua como editora-executiva.

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