Ao chegar em Calicute (Kozhikode), poucos dias antes do Mundial do Catar, fiquei espantado com a quantidade de bandeiras brasileiras pelas ruas e com tantos nativos vestindo a camisa da CBF. A popularidade do futebol nos estados indianos de Querala e Goa destoa do restante da Índia, onde impera o fanatismo por outra invenção britânica: o críquete.
Situada sobre a bela Costa do Malabar, no sudoeste do país, a cidade é banhada pelo Mar da Arábia e por uma infinidade de rios e pântanos em meio a colinas verdejantes. A região guarda ainda certa relação com o descobrimento do Brasil. No século 15, a Índia era uma série de reinos que viviam em paz havia séculos, todos bem mais adiantados cultural e politicamente do que a Europa. Foi nessa costa tomada por coqueiros que, em maio de 1498, aportou Vasco da Gama. O navegador saiu de Lisboa em julho de 1497, com quatro navios e 170 marinheiros, dos quais 116 morreriam antes do retorno a Portugal. A caminho do Cabo da Boa Esperança, a frota abriu a rota a sudoeste de Cabo Verde e ali avistou aves que pareciam vir de terra firme, informação passada mais tarde a outro comandante português, o fidalgo Pedro Álvares Cabral.
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Chegar às Índias era uma obsessão da monarquia lusitana. Os venezianos haviam se associado ao Império turco otomano, com sede em Constantinopla, e monopolizavam o lucrativo comércio de especiarias orientais na Europa ocidental. Portugal, financiado por florentinos e genoveses, arqui-inimigos de Veneza, precisava encontrar um caminho marítimo para a Ásia, motivado pela passagem ao sul da África descoberta em 1488 por Bartolomeu Dias. Ao chegar a Calicute, orientado por um piloto hindu capturado na África, Vasco da Gama torna-se o primeiro europeu a navegar até a Ásia, inaugurando o período conhecido como Dominação Europeia Mundial.
Os portugueses foram recebidos por um povo pacífico e culto de um reino comandado pelo Samorim, o monarca local. Da Gama logo tratou de encontrar o soberano e presenteá-lo com regalos baratos diante do ouro e das vestes luxuosas que decoravam o líder hindu. Desconhecedor do milenar hinduísmo, o português ainda cometeu uma série de gafes culturais e religiosas. Humilhado e sem obter autorização para abrir rotas comerciais com os indianos, Vasco foi ainda assim recebido como herói em Portugal, munido de amostras das especiarias orientais trazidas de Calicute.
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Como a abertura do comércio fracassara pela via pacífica, o Rei Manuel I, O Venturoso, decidiu resolver o assunto pela força, mandando para a Índia uma esquadra com 13 navios carregados de presentes mais valiosos para o Samorim e, é claro, armas e canhões para um eventual confronto com os hindus e com mercadores árabes, que tinham livre trânsito em Calicute. O comandante, desta vez, foi Pedro Álvares Cabral, que, de quebra, fez uma escala no sul da Bahia que ficaria conhecida como o “Descobrimento do Brasil”.
Em 13 de setembro de 1500, Cabral invadiu Calicute e fundou uma feitoria. Hindus e árabes uniram forças contra os agressores e os portugueses foram obrigados a fugir, sofrendo inúmeras perdas humanas, como a do escritor Pero Vaz de Caminha, autor da primeira descrição europeia do Brasil. O rei português não desistiu e, em 1502, Vasco da Gama volta à Índia em uma expedição definitiva, marcada pela crueldade e brutalidade dos portugueses, que se estabeleceram e só sairiam do último território na Índia em 1961. Em 1524, Vasco ainda retornou à Índia como vice-rei e lá morreu no mesmo ano, após contrair malária. Até hoje, os indianos de Querala o consideram um grande vilão.
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A Costa do Malabar impressiona pelas paisagens, pelo povo hospitaleiro e letrado, e pela saborosa culinária, influenciada por cinco séculos de intercâmbio com judeus, árabes e cristãos. Considerado o estado mais limpo e organizado da Índia e meca da medicina tradicional indiana (Aiurveda), Querala tem o melhor índice de alfabetização, a maior expectativa de vida e os menores níveis de corrupção do país.
O que pode surpreender alguns é o fato de o governo estadual, eleito em pleitos democráticos, multipartidários e respeitados sempre pelos vencidos, ser ocupado há quase quatro décadas pelos dois principais partidos comunistas da Índia, baseados em modernos conceitos de democracia social. Ou seja, entre os fãs da seleção que encontrei no sudoeste indiano e algumas pessoas que tenho visto nas notícias brasileiras, o único ponto em comum parece ser mesmo a camisa canarinho.
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