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Pelo mundo: o AI-5

Na gravação da reunião que instituiu o AI-5, alguns trechos merecem destaque. Médici frisou que aprovava o documento com grande satisfação, ou seja, o general concordava com ele mesmo. O ministro do Trabalho, Jarbas Passarinho (1920-2016), exaltou a ditadura que estava sendo oficialmente implantada, e chegou a dizer: “às favas com todos os escrúpulos de consciência”. O ministro da Fazenda, Antônio Delfim Netto, declarou que as medidas deveriam ter sido ainda mais duras.

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Este senhor, aliás, é um caso a ser estudado. Homem alegadamente culto (consta que possui uma biblioteca com mais de 30 mil volumes), o caricaturável ministro jamais soube usar seu suposto conhecimento para ajudar o Brasil e, lamentavelmente, teve longa vida pública. Delfim segue procurado pela imprensa para expressar opinião sobre economia e política pública, quando deveria ter sido defenestrado juntamente com a ditadura militar.

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O próprio presidente, em mais uma demonstração de fuga de responsabilidade, declarou que achava as medidas violentas, mas que colocava acima de tudo o “interesse nacional”. O vice-presidente Pedro Aleixo (1901-1975) foi o único que votou contra, alertando para a inconstitucionalidade do decreto, que atentava contra o estado de direito. No final, o documento foi ratificado e comunicado em cadeia nacional. Era o golpe dentro do golpe, em nome da preservação da ordem e, pasmem, contra a ameaça do comunismo.

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Janeiro de 1969: Costa e Silva, Andreazza, Médici e Peracchi Barcelos
Dezembro de 1968: ato aprofunda a ditadura militar e oficializa a repressão
Palácio das Laranjeiras, Rio: reunião aprovou AI-5 em uma sexta-feira, 13

Meu pai contava que levara um susto com as “medidas ditatoriais que mergulharam o Brasil nas trevas da perseguição política” com prisões, torturas e assassinatos de pessoas que ameaçassem o regime vigente. O orgulho de ter um paraninfo daquele calibre havia se dissolvido significativamente com o AI-5, mas era tarde demais para desistir do convite. Restava a oportunidade de fazer do limão uma limonada, usando a cerimônia para ajudar a comunidade local.

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No dia 10 de janeiro de 1969, o município de Rio Grande decretou feriado para receber Costa e Silva, o primeiro presidente a visitar a cidade. O general e alguns ministros chegaram de helicóptero, poucos minutos antes da formatura no Cine Sete de Setembro.

Conforme ordens recebidas em Brasília, o discurso de meu pai foi breve, mas nele estavam contidas duas importantes reivindicações da cidade: a construção do Superporto e a criação de uma universidade. As duas petições seriam atendidas em alguns meses, com a formação da Fundação Universidade de Rio Grande naquele mesmo ano e a incorporação do Superporto em 1970.

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Altruísmo, humanidade e liderança, naturais na personalidade de meu pai, aliados àquela experiência marcante com os donos do poder, podem ter sido cruciais para outra solicitação envolvendo o governo e uma grande corporação multinacional. No final dos anos 1990, a matriz norte-americana da Philip Morris estava decidida a transferir a unidade de Santa Cruz do Sul para o Paraná.

Ainda na adolescência, vivi indiretamente a luta incansável e o esforço pessoal de meu pai para convencer o governo estadual a fazer as concessões necessárias e, assim, convencer a empresa de que manter a fábrica em Santa Cruz seria a decisão mais prudente. Estavam em jogo milhares de empregos, futuros investimentos e o vital provento de impostos que contribui para que Santa Cruz seja um dos municípios mais ricos do Rio Grande do Sul.

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Com um preâmbulo que incluía palavras como “ordem democrática”, “respeito à dignidade da pessoa humana (sic)” e “liberdade”, o AI-5 acabou com os direitos políticos e iniciou um período atroz de caça aos opositores do regime militar, resultando em centenas de mortos e milhares de presos, torturados e desaparecidos. Mais de cinco décadas depois, vemos um contingente significativo pedindo intervenção das Forças Armadas. Alguns chegam a se referir ao AI-5, defendendo um estrambólico conceito de liberdade pela via autoritária e desrespeitando a vontade popular expressa nas urnas.

Em 1992, poucos meses antes da minha formatura em Engenharia, comentei com alguns colegas sobre essa história de meu pai. Alguns sugeriram que também nós convidássemos o presidente da República para ser paraninfo. O Chefe do Executivo, na época, era Fernando Collor de Mello e o ministro da Justiça era Jarbas Passarinho. Ao contrário do que aconselhava o ex-ministro de Costa e Silva em 1969, escrúpulos de consciência fizeram com que eu, imediatamente, mudasse de assunto.

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