Rádios ao vivo

Leia a Gazeta Digital

Publicidade

VALOR CULTURAL

Pelo mundo: missões guaranis, final

Igreja de São Miguel, projetada pelo jesuíta italiano Giovanni Battista Prímoli | Foto: Acervo pessoal de Aidir Parizzi Júnior

A história da colonização europeia do Novo Mundo é sórdida, violenta e marcada por interesses econômicos e de poder disfarçados de ideais religiosos – esta última característica, aliás, é prática corrente e até crescente no Brasil atual. Dos inuits (esquimós) do Alasca, passando por civilizações andinas e tribos tropicais brasileiras, até os mapuches da Patagônia, a norma geral europeia era ludibriar os nativos, explorar o conhecimento indígena e, então, escravizar ou matar.

Esse talvez tenha sido o maior diferencial das missões jesuíticas, que buscavam harmonia com hábitos indígenas através de educação, trabalho, atividades culturais e catequização. Em 1682, os jesuítas retornaram ao oeste gaúcho e fundaram os Sete Povos das Missões: São Francisco de Borja, São Nicolau, São Miguel Arcanjo, São Luís Gonzaga, São Lourenço Mártir, São João Batista e Santo Ângelo Custódio.

LEIA MAIS: Pelo mundo: missões guaranis, parte 1

Publicidade

A tarefa de catequizar tribos que, na prática, viviam no período neolítico não poderia ser pela força e sim por convencimento e admiração mútua. Cada cidade de 4 ou 5 mil pessoas tinha apenas dois ou três padres. Ou seja, os caciques guaranis eram fundamentais para manter a ordem e disciplina que caracterizavam as reduções. O esforço, obviamente, envolvia percalços. O próprio Padre Roque González já havia sido morto por um pajé, em 1628.

As casas, espaçosas e avarandadas, tinham células familiares monogâmicas, uma adaptação para os até então poliamorosos guaranis. O ponto central da redução reunia a Igreja, o campanário, o cemitério, a escola e uma casa para viúvas e órfãos, o cotiguaçu. As escolas ensinavam latim, guarani, escultura, música e outras disciplinas. As lavouras de milho, mandioca, erva-mate e de pasto para os vastos rebanhos se dividiam entre as de uso comunitário (tupambaê, coisas de Deus) e as de uso familiar (abambaê, coisas do homem). As oficinas produziam móveis, esculturas e instrumentos musicais, parcialmente exportados, com as remessas reinvestidas nas missões.

LEIA TAMBÉM: FOTOS: a história por trás das belezas turísticas de Copenhague, capital da Dinamarca

Publicidade

Em 1750, Portugal e Espanha assinaram o Tratado de Madri, acordo favorável aos portugueses, no qual o rei espanhol aceitou trocar a disputada Colônia do Sacramento, em frente a Buenos Aires na margem oposta do Prata, pelos Sete Povos das Missões, ordenando a desocupação das reduções no prazo de seis meses. Unia-se o medo dos espanhóis de um ataque lusitano à atual capital argentina com a fúria expansionista e escravagista portuguesa. Havia ainda um infundado temor comum de que uma nova nação estaria surgindo, submissa aos jesuítas.

Os guaranis, revoltados, enfrentaram os exércitos ibéricos nas Guerras Guaraníticas (1754-1756), retratadas no excelente filme britânico A Missão, de 1986. Os jesuítas foram expulsos da América do Sul em 1759 e, em 1773, a ordem foi extinta por uma bula papal. Dispersos, os indígenas caíram aos poucos no estado de abandono e preconceito em que ainda vivem. Não é de hoje que justiça social e ideais comunitários incomodam elites que se alimentam da desigualdade.

Em 1768, pouco restava das reduções. Foi o triste ocaso de uma breve civilização que pode ter sido um dos maiores exemplos da história de desenvolvimento baseado em conceitos verdadeiramente cristãos. Por não terem tido tempo de amadurecer e pela brutalidade dos opositores, deixaram um parco legado: ruínas, poucas obras de arte e a gênese de algumas cidades (a Catedral de Santo Ângelo é inspirada na Igreja de São Miguel). Nos hábitos, restou pelo menos uma herança indígena marcante para os gaúchos: o chimarrão.

Publicidade

A experiência jesuítica no sul das Américas foi comentada e aclamada por pensadores como Voltaire, Francis Bacon e Montesquieu. Auguste de Saint-Hilaire, de passagem pelo Rio Grande do Sul em 1820, registrou: “Entre os índios guaranis, muitos se lembram de haver ouvido pais e avós falarem dos jesuítas, dizendo que, quando os religiosos administravam a região, foi o tempo da felicidade.”

A comunidade guarani foi uma experiência genuína que combinou culturas para criar algo novo que merece ser mais conhecido. Por isso, as ruínas de São Miguel foram declaradas Patrimônio Mundial pela Unesco, em 1983. Só falta o reconhecimento mais entusiasmado dos brasileiros. Pelo grau de desenvolvimento artístico, cultural e econômico, bem como pelo ideal de integração e não violência entre jesuítas e indígenas, ainda não conheci episódio mais inspirador na história do Brasil.

LEIA AS ÚLTIMAS NOTÍCIAS DO PORTAL GAZ

Publicidade

Chegou a newsletter do Gaz! 🤩 Tudo que você precisa saber direto no seu e-mail. Conteúdo exclusivo e confiável sobre Santa Cruz e região. É gratuito. Inscreva-se agora no link » cutt.ly/newsletter-do-Gaz 💙

Aviso de cookies

Nós utilizamos cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar sua experiência em nossos serviços, personalizar publicidade e recomendar conteúdos de seu interesse. Para saber mais, consulte a nossa Política de Privacidade.