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Pelo Mundo: entre a mitologia e a realidade geopolítica

*Por Aldir Parizzi júnior

Zeus, sofrendo com uma dor de cabeça insuportável, exclamou: “Minha cabeça está se partindo ao meio!” Ele tinha razão. Do crânio aberto da mais poderosa entidade da mitologia grega surgiu Atena, a deusa da sabedoria. Conta a mitologia que Atena entrou em uma disputa com o tio, Poseidon, para definir quem daria o nome à magnífica cidade construída pelo rei Cécrops, local que se tornaria o centro da civilização mais avançada do planeta, com praças (plateia), teatros, termas e mercados cobertos. Pairando sobre a cidade, o monte conhecido como Acrópole (cidade alta) seria coroado com um templo dedicado a um dos dois. Na disputa, e evitando optar entre a filha e o irmão, Zeus delegou a Cécrops a decisão, e o rei não titubeou: “Minha cidade se chamará Atenas”.

Com seis milênios de história, Atenas é hoje a capital de um país com mais de 6 mil ilhas, cercado por água, montanhas e uma complicada vizinhança com países dos Bálcãs e com a Turquia, além de, via marítima, com o Oriente Médio e o norte da África. A força intelectual surgida ali, cinco séculos antes de Cristo, produziu pessoas – de Sócrates a Aristóteles – e ideias que norteiam a forma com que enxergamos a educação, a arquitetura, a ciência, as artes, a religião e, é claro, a sempre instável e necessária democracia. Isso sem falar na influência helênica sobre as línguas ocidentais. Só em português, temos mais de 16 mil palavras de origem grega. Na língua inglesa, são mais de 100 mil.

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Na Acrópole, coração da cidade desde o século 5 a.C., o templo de Atena Partenos (Atena, a virgem), mais conhecido como Partenon, é o maior símbolo da Grécia. Parte da decoração original está no Museu da Acrópole, mas, para conhecer melhor o interior do Partenon, convém dar um pulo ao Museu Britânico, em Londres. Sobre o monte, estão também os templos de Erecteion e de Athena Nike, uma joia da arquitetura grega. A estátua de Nike (ou Nice, em português), deusa alada da vitória, ainda está ali presente. Seu nome, curiosamente, se tornou mais conhecido por uma marca esportiva cujo símbolo representa uma de suas asas.

Acrópole: Cariátides do Erecteion, templo dos deuses Atena e Poseidon | Fotos: Acervo pessoal de Aidir Parizzi Júnior

A sudeste da Acrópole, o teatro Herodeon segue ativo desde sua construção, no ano 160 d.C. Como o teatro, o Estádio Olímpico Panatenaico, no bairro Pangrati, foi igualmente construído por Herodes Atticus, ateniense e senador romano. O colosso de mármore foi ressuscitado para as primeiras Olimpíadas do mundo moderno, em 1896, depois de uma interrupção esportiva de 16 séculos. A cada quatro anos, parte dali a tocha olímpica, em direção ao país-sede dos jogos.

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Teatro Herodeon, em Atenas, em funcionamento desde o século 3

Sócrates, Aristóteles, Demóstenes e São Paulo propagavam seus ensinamentos na Ágora, mercado público, praça e centro da vida política (polis = cidade) do século 6 a.C. até o século 6 d.C. Não muito longe dali, restam 15 colunas coríntias do Templo de Zeus Olímpico, o maior já construído na Grécia, iniciado no século 6 a.C. e concluído 600 anos mais tarde pelo imperador romano Adriano. Este acrescentou ao local um arco em sua própria homenagem, para o caso de ser esquecido em meio à abundância cultural da grande civilização grega.

O Partenon, dedicado à deusa Atena, é o principal símbolo da Grécia
Estádio Panatenaico, de onde parte a tocha olímpica antes de cada Olimpíada

Mitologia e realidade se entrelaçam, em um país que a maioria dos estrangeiros só conhece pelo passado milenar e por ilhas paradisíacas. Derrotado na disputa pelo templo, Poseidon tentou destruir Atenas com um vigoroso dilúvio. Zeus, como punição, o condenou ao exílio no lado oposto do Mar Egeu, onde o deus dos mares construiu a cidade de Troia, lendária inimiga dos gregos. O local hoje se chama Hisarlik, na Turquia, e a região segue em turbulência geopolítica. O Mar Egeu, que sempre foi motivo de discórdia entre Turquia e Grécia, tornou-se ainda mais visado graças a recentes descobertas de reservas de gás natural.

Reza a lenda que a bela princesa Cassandra, de Troia, foi abençoada por Apolo com o dom da profecia, para em seguida, por ciúmes, ser punida pela mesma divindade, fazendo com que ninguém acreditasse em seus certeiros presságios. A princesa chegou a alertar seus pares sobre o Cavalo de Troia (o gigante de madeira, não o vírus digital) ser um “presente de grego”, mas, para desgraça dos troianos, não foi ouvida. Ela parece seguir alertando povos dos dois lados do Egeu sobre a iminência de um conflito. Atualmente, contudo, tendo em conta o orçamento militar de gregos e turcos, Cassandra parece ter bem mais crédito do que nas lendas descritas por Homero e Virgílio.

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