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veneza, itália

Pelo mundo: de pântano salgado a poderosa república

Foto: Arquivo Pessoal

Portais do estaleiro Arsenale, que chegou a produzir um navio por dia

Caminhando pelo labirinto de vielas estreitas e navegando nos rasos canais de um dos locais mais extraordinários do planeta, boa parte dos turistas ignora estar no antigo coração de uma bem-sucedida república que teve mais de mil anos, foi o império mais poderoso do Mediterrâneo e tinha a capital mais rica de toda a Europa.

Em minha primeira visita, há mais de 30 anos, desembarquei na estação ferroviária Venezia Santa Lucia e tomei um traggheto – espécie de ônibus flutuante. Mesmerizado pelo surrealismo da própria existência de uma fascinante cidade construída sobre ilhas de uma laguna salgada, de repente me pareceu escutar meus avós. De onde vinham as vozes, vi funcionários da embarcação e moradores locais em animada conversa. Foi desta região do nordeste da Itália que partiu a maioria dos imigrantes italianos do sul do Brasil, para quem o dialeto vêneto, com pequenas diferenças, tornou-se língua franca.

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Ao longo dos três quilômetros do Canal Grande, principal via aquática que atravessa Veneza, tem-se um espetáculo de beleza e diversidade arquitetônica em meio ao intenso trânsito de embarcações: táxis, lanchas policiais, transporte de carga e passageiros e, claro, românticas gôndolas.

A história da República de Veneza é fundamentada em poder marítimo comercial e militar, mas também em uma magistral diplomacia, resistência política e militar, originadas em uma cidade construída sobre um pântano na costa do Mar Adriático. O local era habitado somente por pescadores até o século 5, quando povos bárbaros do leste europeu invadiram o Império Romano e forçaram algumas comunidades da península a se refugiarem nas lagunas de Veneza. Em 726, Orso Ipato foi eleito o primeiro líder, o doge (duque), no que se tornaria uma série ininterrupta de governantes, por onze séculos. Protegidos pelas águas, os venezianos, então ligados a Constantinopla, resistiram aos ataques dos lombardos e dos francos de Carlos Magno para, em algumas décadas, conquistarem também a independência do Império Bizantino.

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O Palazzo Ducale, residência dos doges e sede do governo republicano, contém um tesouro artístico, com ornamentos folheados a ouro e obras de arte em um cenário magnífico. No exterior, arcos neoclássicos sob arcos góticos venezianos dão uma amostra da diversidade cultural da antiga nação. A parte interna, após alguns incêndios, foi finalizada tal qual está hoje nos séculos 16 e 17, o que explica a abundância do barroco dourado. A Sala do Grande Conselho era o maior salão da Europa quando foi construída. Em uma das paredes, o pintor veneziano Jacopo Robusti, o Tintoretto (1518-1594), pintou uma tela de 22 x 7 metros, uma das maiores do mundo, chamada O Paraíso (Il Paradiso).

O palácio dá acesso ao antigo presídio através da fotogênica Ponte dos Suspiros, que muitos consideram de forma romântica. Porém, os únicos suspiros que ali surgiam eram de desespero. De um lado, o tribunal da república e, do outro, o destino dos condenados: celas úmidas e escuras. Quem atravessou aquela ponte, aos 30 anos de idade, foi o aventureiro e notável mulherengo Giacomo Casanova (1725-1798), condenado a 5 anos de prisão por afrontar a religião e a decência.

O Rialto é a ponte mais famosa das três que atravessam o Canal Grande de Veneza | Foto: Arquivo pessoal

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A localização privilegiada e o fornecimento do sal extraído das lagunas – o melhor conservante de alimentos naquele período – geraram a crescente pujança marítima e econômica da república, convertendo-a nos séculos seguintes no principal entreposto de seda e especiarias do Oriente e, na mão contrária, de grãos e vinhos europeus.

Para se proteger de piratas que infestavam aquela parte do Mediterrâneo, Veneza construiu uma poderosa marinha no famoso Arsenale, estaleiro e linha de montagem à frente de seu tempo, produzindo centenas de navios por ano. A república, que chegou a ter 3,3 mil navios e 36 mil marinheiros, conquistou toda a costa que formava o corredor da frota mercante, incluindo territórios da Dalmácia (atual Croácia) e ilhas do Mar Egeu, como Creta, que foi colônia de Veneza até meados do século 17.

*Continua

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