Cultura e Lazer

Pelo mundo: a versão bretã de Guantánamo

Londres é uma das cidades mais vibrantes do planeta, com incríveis destinos de extraordinário interesse histórico. Desta vez, porém, abordo um local pouco conhecido da capital britânica. Embora carregue o nome da monarquia e ofereça acomodação franqueada, poucos se interessam em visitá-lo e, imagino, ninguém almeja conhecê-lo por dentro. A Prisão de Sua Majestade de Belmarsh, no sudeste de Londres, é a penitenciária de segurança máxima mais famosa do Reino Unido.

Construído em 1991, na margem sul do Rio Tâmisa, sobre o antigo Arsenal Real, fábrica de armamentos do século 17, o complexo penitenciário logo ficou conhecido como a versão britânica da prisão de Guantánamo. A referência ao enclave americano em Cuba se deve ao hábito de deter, por tempo indeterminado, acusados de terrorismo. Além da notória periculosidade dos internados, o local ficou conhecido pela violência usada para controlá-los. Um de seus famosos presos, o ex-parlamentar Jeffrey Archer, a apelidou de “Hellmarsh”, o pântano do inferno.

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Além de Archer, outros políticos ingleses foram alojados em Belmarsh, junto a perigosos condenados, como o neonazista David Copeland, o violento assaltante Michael “Charles Bronson” Peterson e o terrorista Hashem Abedi, autor do massacre da Arena de Manchester.

Cito agora dois ex-prisioneiros notáveis, um pela repercussão mundial e o outro pela relação íntima com o Brasil. O jornalista Julian Assange, para muitos um prisioneiro político, publicou em 2010 no site fundado por ele (Wikileaks) informações secretas obtidas de um agente da inteligência militar. Os documentos implicaram o governo americano em espionagem, assassinatos de civis e interferência em outros países. Ou seja, poucas novidades. Em 2012, em uma trama orquestrada por Washington, a justiça britânica e a Interpol indiciaram Assange com base em uma pretensa acusação de estupro – posteriormente retirada – na Suécia, país com maior facilidade de extradição para os EUA.

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Após 14 anos, jornalista Julian Assange está livre

Ao ver-se sem saída e prestes a ser remetido ao país escandinavo, o australiano entrou na Embaixada do Equador, em Londres, e dali não saiu pelos sete anos seguintes. Em abril de 2019, o governo equatoriano revogou a concessão de asilo. Assange foi subitamente removido pela polícia londrina e encarcerado na Prisão de Belmarsh. Há poucos dias, em 25 de junho deste ano, um acordo com a justiça americana permitiu que Assange fosse finalmente libertado. Após o calvário de 14 anos, Julian está livre e de volta ao país natal. Em suas próprias palavras, “se guerras podem ser provocadas pela mentira, a paz pode ser incitada pela verdade.”

Assalto ao Trem Pagador

Em 8 de agosto de 1963, sobre a ponte ferroviária de Bridego, ao norte de Londres, uma quantia em espécie equivalente (em valores atuais) a R$ 500 milhões foi roubada de um trem postal que havia partido de Glasgow, na Escócia, com destino à estação de Euston, na capital britânica. Liderados por Bruce Reynolds, a gangue de 16 comparsas incluía Ronald “Ronnie” Biggs. Ronnie foi preso pela Scotland Yard três semanas depois do assalto, após suas impressões digitais serem encontradas em uma lata de molho de tomates encontrada no esconderijo da quadrilha.

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O assalto ao trem ocorreu sobre a ponte Bridego, ao norte de Londres, que Aidir visitou nessa semana | Foto: Acervo Pessoal

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Após 15 meses de pena, Biggs escapou da prisão e fugiu de barco para a França, onde se submeteu a uma cirurgia plástica antes de se refugiar na Austrália. Ao saber que a Interpol estava em seu encalço, o britânico partiu em um navio para o Panamá, de onde voou para o Brasil, desembarcando no Rio de Janeiro, em 1970. O inglês passou mais de três décadas na capital fluminense, levando uma vida de celebridade e confraternizando com curiosos que, por uma gratificação, ouviam os detalhes do assalto diretamente de um dos protagonistas.

Ronald “Ronnie” Biggs, que viveu no Rio

A história de Biggs é repleta de aventuras. Para citar somente um episódio, um grupo de ex-militares britânicos o sequestrou em 1981, deixando o Rio de Janeiro por via marítima para conduzi-lo ao Reino Unido. A embarcação teve problemas mecânicos em Barbados e os ocupantes tiveram que ser resgatados pela guarda costeira. Como o Brasil, Barbados não tinha acordo de extradição com o Reino Unido e Ronnie acabou despachado de volta à Cidade Maravilhosa. Em outra curiosidade, Mike, filho do inglês com a dançarina brasileira Raimunda de Castro, fez sucesso nos anos 1980 como cantor do grupo infantil Balão Mágico.

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Em 2001, em um acordo financeiro com o tabloide The Sun, Biggs concordou em retornar ao Reino Unido. Ao desembarcar em Londres, foi conduzido à prisão de Belmarsh para cumprir os 28 anos que restavam da pena. Em 2009, doente e prestes a completar 80 anos, o britânico foi libertado por razões humanitárias. Ronnie Biggs faleceu em dezembro de 2013, aos 84 anos. Na mesma noite, a BBC lançava o filme The Great Train Robbery (disponível no Netflix), comemorando o cinquentenário do espetacular assalto que, com meticuloso planejamento, extensa preparação e ausência de armas, chegou a conquistar certa simpatia da opinião pública. Sobre o caixão de Ronnie, o pavilhão britânico dividia espaço com a bandeira do Brasil.

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Heloísa Corrêa

Heloisa Corrêa nasceu em 9 de junho de 1993, em Candelária, no Rio Grande do Sul. Tem formação técnica em magistério e graduação em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo. Trabalha em redações jornalísticas desde 2013, passando por cargos como estagiária, repórter e coordenadora de redação. Entre 2018 e 2019, teve experiência com Marketing de Conteúdo. Desde 2021, trabalha na Gazeta Grupo de Comunicações, com foco no Portal Gaz. Nessa unidade, desde fevereiro de 2023, atua como editora-executiva.

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