Após cinco anos na região de Chicago, despachei a mudança e parti de carro para Houston, no estado do Texas, atravessando o país até o local onde fixaria residência pelos sete anos seguintes. Eu já conhecia bem as principais cidades deste que é o estado mais extenso do território contíguo dos Estados Unidos; porém, viagens aéreas e visitas restritas a grandes centros urbanos nos cegam para a realidade fora dessas ilhas de desenvolvimento. Ao entrar no território texano pela fronteira com o estado de Arkansas, a rota pelas regiões de Texarkana, Marshal e Nacogdoches abriu meus olhos mais uma vez para os enormes contrastes de um país que, visto de fora, parece muito mais homogêneo.
A disparidade entre sul e norte nos Estados Unidos tem origem principalmente na escravidão e na sangrenta Guerra da Secessão, assunto que mereceria um capítulo a parte. Ao longo das zonas rurais e pequenas cidades texanas, milhares moram em trailers e casebres, queimando o próprio lixo, conduzindo veículos decrépitos e vivendo em condições que, se não chegam à miséria que testemunhamos no Brasil, também não condizem com o imaginário que nutrimos sobre a nação mais rica de todos os tempos. Em contrapartida, o progresso econômico, que ainda não alcançou o interior do Texas, veio com abundância nas grandes cidades do estado. Antes de falar delas, e para entender melhor a região, precisamos retornar um pouco no tempo.
No início do século 19, o Texas fazia parte do estado mexicano de Coahuila y Tejas quando, em 1825, o americano Stephen Austin liderou 300 famílias (e seus escravos) que se estabeleceram no território. Nos anos seguintes, a ocupação motivou a migração de milhares de estadunidenses e, em pouco tempo, o grupo de americanos já somava mais de 50 mil famílias. O México, recém-independente da Espanha, passou a restringir a autonomia dos invasores e, em 1833, os frustrados colonizadores enviaram o líder Austin à Cidade do México com uma proposta para tornar o Texas uma nação independente. Como seria de se esperar, o presidente Antonio Lopez de Santa Anna rejeitou o projeto e mandou prender o emissário americano. Libertado dois anos mais tarde, Stephen juntou-se à violenta revolta contra Santa Anna que deu início à Revolução do Texas.
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Em uma das batalhas, Santa Anna e suas tropas invadiram a antiga missão espanhola de San Antonio de Valero, conhecida popularmente como “Álamo”, graças a uma enorme árvore da espécie ao lado da igreja matriz. O local é hoje parte do centro de San Antonio, uma bela e pitoresca cidade que exala latinidade em muitos aspectos. Os mexicanos mataram todos os colonizadores do local e restaram na esperança de que o massacre intimidasse os demais texanos. Cinco semanas depois, tropas americanas lideradas pelo general Sam Houston, imbuídas com o grito de guerra “Lembrem-se do Álamo!”, derrotaram o exército de Santa Anna na Batalha de San Jacinto, local onde hoje fica Pasadena, nos arredores de Houston. Assinado o Tratado de Velasco, o Texas tornou-se independente e passou a se chamar República do Texas, com Sam Houston na presidência. Uma década depois, em 1846, um acordo da nova nação com os Estados Unidos tornou-a o 28º estado americano.
Apesar do pacto, muitos texanos torcem o nariz até hoje para a união federal. Não por acaso, o chamado estado da estrela solitária tem em sua agradável e ensolarada capital, Austin, um capitólio (sede dos poderes estaduais) dois metros mais alto que o Capitólio de Washington, DC. Percorrendo o belo e imenso prédio, deparei-me com o nome “República do Texas” na decoração do piso, nas portas, nos quadros e até nas lixeiras. Guias turísticos do lugar ainda contam com orgulho que o estado pode se tornar independente por conta própria a qualquer momento e que nenhuma bandeira estadual, exceto a do Texas, pode tremular na mesma altura da bandeira americana. Ambas as alegações são lendas urbanas ou, usando a nomenclatura da moda, fake news.
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