Em 595, o papa Gregório I notou dois escravos loiros em um mercado de Roma e quis saber de onde vinham. O religioso, que revolucionou a liturgia católica e deu nome ao canto gregoriano, era forte oponente da escravidão. Ao ouvir que eram angli, como eram chamados em latim os povos da atual Inglaterra (Anglia), respondeu: Non angli sed angeli – “não são anglos, mas anjos”. O episódio inspirou o pontífice a enviar um de seus monges para cristianizar aquela colônia insular, esquecida ao norte do Reino dos Francos.
O escolhido para a empreitada, monge Agostinho (Santo Agostinho de Canterbury), avistou as monumentais falésias de Dover antes de aportar em Kent em 597, região comandada pelo rei pagão Ethelbert. O italiano contava com uma importante aliada, a rainha consorte Berta (569-612), filha de um rei francês e católica fervorosa. Visitei recentemente em Canterbury a pequena igreja de São Martinho, a mais antiga da Inglaterra, deixada pelos romanos no século 4 e reformada por Santa Berta.
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O plano missionário da Santa Sé teve sucesso, convertendo um a um os reis anglo-saxões. Agostinho tornou-se o primeiro arcebispo da Cantuária, título que hoje representa o mais alto posto da Igreja Anglicana. Ethelbert concedeu o local para erigir a mais antiga catedral da Inglaterra. Os estilos gótico e romanesco do templo e as ruínas da abadia contam a história do cristianismo inglês.
O coração histórico da catedral é o local exato onde o arcebispo Thomas Becket (São Tomás da Cantuária, 1118-1170) foi assassinado por enviados do Rei Henrique II quando se preparava para as vésperas. Em 1982, ajoelharam-se ali o primaz anglicano Robert Runcie e o papa João Paulo II, na histórica primeira visita de um papa à Inglaterra. Além de São Tomás, chama a atenção outra tumba famosa, a do príncipe de Gales Eduardo de Woodstock (1330-1376), mais conhecido como O Príncipe Negro. Na cripta da catedral, seu escudo e seu capacete estão em exposição.
Minha última visita à lendária catedral foi coroada com uma missa cantada (Evensong) pelo famoso Coral de Canterbury, existente há mais de 14 séculos.
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Ao lado da catedral de Gloucester, pequena cidade do sudoeste britânico, ruínas de uma abadia do ano 678 são testemunhas do rápido avanço do cristianismo nos séculos 7 e 8, fomentado por Agostinho da Cantuária e Paulinus de York.
Na catedral, o claustro adjacente é renomado por suas abóbadas em leque, as mais antigas da Inglaterra. Atrás do altar principal, vitrais de uma gigantesca janela (22 x 12 metros) formam uma estrutura única e impressionante, construída para o funeral do controverso rei Eduardo II (1284-1327). Assassinado próximo à catedral, o monarca passou para a história como incompetente, efeminado e perdedor de guerras. O certo é que ele deu muita atenção às artes e à educação, alavancando o crescimento das duas melhores universidades inglesas, em Oxford e Cambridge. Outro sangue azul sepultado na catedral é o “quase-rei” Robert II da Normandia (1087-1106). Filho de Guilherme, o Conquistador, Robert seria o rei de direito, caso não tivesse sido aprisionado até sua morte pelo irmão mais novo, o rei Henrique I.
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Em 2018, o ex-espião militar russo Sergei Skripal e sua filha foram envenenados em Salisbury, onde moravam, com Novichok, um agente nervoso letal desenvolvido pela União Soviética. No dia anterior, dois russos explicavam à Imigração do aeroporto de Gatwick que ficariam dois dias na Inglaterra para conhecer a torre de 123 metros da Catedral de Salisbury.
Desde o colapso do coruchéu de Lincoln, Salisbury tem a mais alta torre de uma igreja britânica. A catedral, contudo, é ignorada amiúde por turistas que vêm à cidade ansiosos para conhecer uma atração próxima e bem mais antiga: o monumento pré-histórico de Stonehenge. A igreja foi construída em somente 38 anos e, por isso, possui um único estilo, o que de certa forma a torna menos vibrante arquitetonicamente. As escaladas ao campanário e à estrutura da torre central justificam a visita. A igreja guarda ainda um dos quatro originais sobreviventes da Magna Carta. A propósito: os “turistas” russos foram identificados meses depois: um era membro do serviço de inteligência de Moscou; outro, médico nas tropas de Putin. Até hoje, ninguém foi punido pelo crime.
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Continua: na próxima semana, Aidir Parizzi Júnior conclui seu roteiro por catedrais inglesas
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