Ao avistar pela primeira vez a Catedral de Lincoln, imaginei um camponês do século 13 a caminho da cidade localizada sobre uma proeminente colina no centro-leste da Inglaterra. De longe, ele enxerga a construção mais alta do planeta, a primeira a superar a pirâmide de Quéops. Se, com as referências visuais e a informação que temos atualmente, somos ainda assim impactados por magníficas catedrais, o que se passaria na cabeça de aldeões e campesinos ao avistarem imponentes torres, monumentais fachadas, a vastidão das naves, a riqueza da decoração e o simbolismo das estruturas que remetem à glória divina?
Das 42 catedrais anglicanas em solo inglês, selecionei seis – Lincoln, Canterbury, Salisbury, Durham, York, Gloucester – e adicionei a Abadia de Westminster, que já foi catedral e hoje possui status especial na denominação cristã fundada pelos caprichos matrimoniais de um rei indisposto com o papa. Com idades entre 800 e mil anos, são templos que nasceram e cresceram católicos, sobreviveram à chamada Dissolução (leia-se destruição) dos Monastérios promovida por Henrique VIII (1491-1547) e, desde o século 16, fazem parte da Igreja da Inglaterra.
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Deixei de fora catedrais igualmente magníficas, por serem mais “jovens” ou por um critério subjetivo e pessoal, referente ao impacto artístico e histórico que me causaram. Ficarão para outra oportunidade templos como a barroco-renascentista catedral londrina de Saint Paul, de 1675, a neobizantina Sé Catedral Católica de Westminster, de 1903 (não confundir com a Abadia de Westminster), e catedrais como as de Ely (1083), Wells (1175) e Norwich (1145).
Catedral de Lincoln, ano 1092
Além da monumental igreja, o entorno e o centro medieval de Lincoln proporcionam uma viagem no tempo. A catedral em estilo gótico normando se tornou o prédio mais alto do mundo quando a torre central, com 160 metros, foi concluída em 1311. Em 1548, a parte superior (coruchéu) colapsou e jamais foi reconstruída. A catedral manteve por séculos um dos quatro originais de Magna Carta (ver abaixo), até o valioso documento ser transferido para o adjacente Castelo de Lincoln.
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Uma das características arquitetônicas mais marcantes é a assimetria e a variação de estilo das abóbadas, na nave central e laterais, no coro e nas capelas. Sobre o Coro de São Hugo – bispo canonizado em 1220 –, está a “abóbada louca”, com nervuras diagonais assimétricas, uma das soluções criativas e arrojadas que permitiram vitrais maiores e mais altos, potencializando a luz natural.
Catedral de Durham, ano 1133
“Metade Igreja de Deus, metade castelo contra os escoceses” (Walter Scott). Situado no norte da Inglaterra, o templo em estilo romanesco está na localização mais espetacular entre todas as catedrais inglesas, emoldurado por árvores formosas e por uma curva do Rio Wear. O verso do poeta se refere às batalhas entre o seu país natal e a Inglaterra no século 17, quando a catedral serviu como prisão. Dos 3 mil escoceses ali trancafiados, pelo menos 1.700 morreram de sede, fome e frio.
O corpo de São Cuteberto (634-687), bispo anglo-saxão cujo esquife circulou entre vários mosteiros durante os ataques vikings à região no século 9, foi a motivação principal para a construção da catedral, que guarda também o corpo de São Beda (673-735) – um dos doutores da Igreja Católica – e a cabeça de Santo Osvaldo (604-642), rei da Nortúmbria que expandiu o cristianismo no norte da Inglaterra.
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Magna Carta
Símbolo universal dos direitos e das liberdades individuais, o documento de 1215 é considerado a pedra angular de constituições, declarações de direitos do cidadão e da própria democracia moderna. Concessão do Rei João para satisfazer revoltosos barões que formavam o sistema feudal inglês, foi uma solução prática para uma crise política. A carta limitou o poder do monarca e determinou que todo cidadão, inclusive o rei, estaria sujeito ao Estado de Direito (sem foro privilegiado!). As principais catedrais inglesas receberam o documento, eficiente forma de divulgação na época. Além dos originais das catedrais de Lincoln e Salisbury, sobreviveram as cartas enviadas a Canterbury e Westminster, estas guardadas no tesouro da Biblioteca Britânica, em Londres.
Continua: na próxima semana, Aidir Parizzi Júnior apresenta mais algumas catedrais inglesas.
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