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Coreias

Pelo mundo: a fronteira mais insólita do planeta

Foto: Arquivo Pessoal

“Área de Segurança Conjunta” deixou de ser conjunta após um incidente, em 1976

Parti cedo de Seul por uma estrada deserta até Panmunjon, a Área de Segurança Conjunta (JSA) entre as duas Coreias. O caminho de 50 quilômetros é um longo corredor com cercas de arame farpado e centenas de guaritas blindadas e camufladas ao longo da rodovia. Os nomes das áreas de fronteira entre as duas Coreias perderam o significado. Ao longo do paralelo 38, que divide os dois países, a Zona Desmilitarizada (DMZ), definida pelo armistício de 1953, está repleta de militares.

A Área de Segurança Conjunta foi criada como uma zona de livre tráfego de militares, do sul e do norte. No centro da mesma, em casas sobre a fronteira, eram travadas as negociações bilaterais. Até o armistício, os três anos de conflito intenso da Guerra da Coreia tomaram mais de 5 milhões de vidas, entre civis e militares.

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Com propaganda e provocação intensas de ambas as partes, a convivência nunca foi totalmente pacífica. Apesar da tensão, tudo ia relativamente bem até que, em agosto de 1976, a simples poda de uma árvore quase desencadeou uma nova escalada no conflito. Os galhos de um álamo estavam bloqueando a visão entre duas guaritas e um destacamento de militares sul-coreanos e estadunidenses foi convocado para podá-los. Soldados norte-coreanos tentaram impedir, alegando que não haviam sido consultados e que, por isso, desautorizavam o corte.

Rapidamente, a discussão foi às vias de fato. Um capitão e um tenente norte-americanos acabaram sendo mortos pelos norte-coreanos, que usaram os próprios machados e foices do inimigo nos ataques. Washington foi imediatamente alertada e o secretário de Estado Henry Kissinger chegou a ordenar um ataque às barracas inimigas. O presidente Gerald Ford sustou a ofensiva, mas ordenou que a árvore fosse cortada.

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Da forma surreal e quase infantil que as guerras sempre oferecem, uma operação que contou com helicópteros e centenas de soldados foi desencadeada e, da árvore, restou só o tronco. A Coreia do Norte resolveu deixar por isso mesmo, até por considerar que o saldo negativo de alguns galhos podados não representava tanto diante da morte de dois combatentes inimigos.

Desde o incidente, a JSA deixou de ser “conjunta” e uma mureta de concreto de alguns centímetros passou a separar as duas Coreias. Parcialmente protegidos por trás das casas azuis da fronteira, soldados de uma etnia encaram uns aos outros 24 horas por dia.

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Na chegada à JSA, um soldado dos EUA nos conduziu até a tensa linha entre os dois países. Visitamos as barracas azuis sobre a divisa que, pela manhã, são policiadas pelos sul-coreanos. Uma mesa de reuniões bem ao centro delimita a fronteira. Tecnicamente, entrei na Coreia do Norte, atravessando até o lado oposto da sala. O recruta adverte: “Quem passar pela porta do lado de lá estará nas mãos do homem-foguete”, forma com a qual se referia Donald Trump ao mencionar o líder comunista.

Fora da casa, de volta ao território sul-coreano, nosso guia, de costas para a Coreia do Norte, discursava sobre a superioridade física dos aliados do sul, apontando em seguida para a baixa estatura e aparência desnutrida dos inimigos do norte. Em uma incrível armadilha do destino, naquele exato momento notei que as pernas de um soldado sulista começaram a tremer. Enquanto o militar cambaleava em direção à pequena barreira de concreto da fronteira, observei um soldado norte-coreano colocar a mão na arma. Enquanto eu imaginava um potencial desfecho sangrento, a situação foi atenuada, com o militar prostrado socorrido por companheiros e trazido para um local protegido.

No chão, soldado sul-coreano, socorrido após um transtorno fronteiriço | Foto: Arquivo Pessoal

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Os norte-coreanos permaneciam em pé, talvez com um sorriso contido pela ironia da situação. No dia seguinte, um militar norte-coreano acelerou o jipe até a fronteira e dali correu Coreia do Sul adentro, em fuga desesperada. Apesar de ter sido baleado diversas vezes pelos próprios companheiros, o recruta sobreviveu e foi socorrido por soldados sul-coreanos. O governo de Seul dá asilo imediato aos que conseguem fugir do regime de Kim Jong Un.

Costumamos enxergar fronteiras, cercas e muros do lado de dentro, sob o ponto de vista dos protegidos ou capturados. Por vezes, é sábio entender também o ponto de vista da parte excluída, extramuros. Pensando nos norte-coreanos, lembrei de uma ocasião nos anos 1990, em que um amigo alemão oriental me levou à antiga fronteira entre as Alemanhas divididas. O comentário que ele fez me marcou. “Para mim, até 1989, o mundo terminava aqui”.

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