Davi Kopenawa nasceu na divisa do Amazonas com a Venezuela. Adulto, já como intérprete junto à Funai, se aproximaria do antropólogo Bruce Albert, a quem narrou sua vivência, que se encontra transcrita na obra Queda do ceú, editada pela Companhia das Letras.
Davi situa a relação com Bruce: “Você veio até mim e se tornou meu amigo. Você ficou do meu lado, e, mais tarde, quis conhecer os dizeres dos ‘xapiri’, que na sua língua vocês chamam de espíritos. Então entreguei a você minhas palavras e lhe pedi para levá-las longe, para serem conhecidas pelos brancos, que não sabem nada sobre nós.” (2015, pg. 63)
Num primeiro momento Davi narra sua origem e vocação xamânica. Fala da visão de mundo Yanomami. A seguir relata a investida de missionários, a abertura de “uma longa clareira que será um caminho do avião”, a incursão dos mineradores, o doloroso acometimento de doenças que dizimam muitos dos seus e a devastação da floresta, esta compreendida como o conjunto da natureza.
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E conclui que a continuar o que vem sendo praticado contra esta mesma natureza, o céu fatalmente irá cair, até porque os pilares da Terra não encontram sustentação para tal degradação. A narrativa alinha-se entre o menino amazônico, o “catequizado” que tentou imitar os “brancos” e o convicto de que sempre fora e seria um Yanomami.
As palavras nativas vêm de uma tradição oral vivenciada na atualidade e não apenas enquanto reflexo da ancestralidade meramente repetida. Ao ouvirmos Kopenawa tanto nos percebemos junto às ancestrais águas florestadas do alto Rio Toototoli quanto dos atuais púlpitos nacionais e mesas internacionais para garantir a sobrevivência dos povos indígenas. Bem mais do que isso: nos damos conta do muito pouco que sabemos da realidade indígena em seu estofo existencial.
Ao som Yanomami, conseguimos, em alguma medida, internalizar que os “xapiri” não são os espíritos que pensamos conhecer. Na verdade desmoronamos. Davi nos encaminha para a inversão daquilo que usualmente compreendemos; também acerca do que está escrito, inclusive sobre os povos indígenas, pois costumamos escrever em “peles de papel” e esquecemos de ouvir “os sonhos.”
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As palavras exigem mais do que expressões impressas em páginas, até porque, para compreender “a terra-floresta”, há que se ir além das peles de papel e ouvir “a voz”. Todavia, quem sabe, a partir das falas transcritas de Kopenawa, possamos mudar nossa percepção mercadológica da natureza, especialmente nestes tempos insanos de tanto ódio, criminosas investidas, perversas conivências e falsas palavras. Valeu Davi: palavra pode ser bem mais que papel, mercadoria e engodo.
Errata: na coluna dos dias 19/20 de fevereiro troquei equivocadamente o nome do fotógrafo Sebastião Salgado pelo de Plínio Salgado.
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