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CRÍTICA

Pedro Guindani: a distopia de cada dia

“Stone Heart” foi uma das obras apresentadas nessa terça-feira

Nada mais animador, para quem está no meio audiovisual, do que voltar às sessões presenciais de cinema, depois de tanto tempo de restrições – e, melhor ainda, contar com toda a efervescência e troca de experiências que se dá num ambiente de festival. Também por esse espírito de alegria e otimismo, chama atenção o quanto as obras em tela contrastam com esse clima: mais alinhados com a exaustão de um país em crise moral e econômica e a descrença de uma classe artística atingida por um intenso desmonte de políticas setoriais, os curtas mostram perspectivas sombrias, tanto ao apresentar recortes realistas e contemporâneos com ênfase em temáticas como o racismo e a desigualdade social, quanto numa abordagem metafórica, em que universos distópicos futuristas simbolizam preocupações muito presentes.

As possibilidades que a animação oferece para universos fantásticos são exploradas a fundo por Stone Heart, curta amazonense com impecável trabalho de 3D. A fábula da criatura que se humaniza ao descobrir, em meio a um futuro áspero, a delicadeza de uma flor que o humaniza – para que, depois, lhe desperte os piores sentimentos humanos, como o egoísmo, numa obsessão crescente em protegê-la dos demais que resulta, afinal, em afastá-lo também de seu bem precioso.

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Sartre escreveu que “o inferno são os outros”, e esse desconforto com a alteridade próxima – próprio, aliás, do período da pandemia, em que a proximidade interpessoal significava uma ameaça à própria saúde – aparece também no paulistano Gosta de Poesia?. Aqui, temos um inimigo interno muito frequente: o stress. Ao buscar tratamento, o protagonista vê desaparecerem ao seu redor as origens do problema: as pessoas. Num surrealismo com ecos de Buñuel e emoldurado por um ótimo desenho de som, trabalha muito bem os elementos visuais e técnicos em favor de uma narrativa concisa e potente.

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Na mesma seara, de unir questões sociais e psicológicas, Fica Bem também parte do interno para o externo: ao abordar a depressão de sua protagonista, Ana, o curta questiona sarcasticamente as soluções “fáceis” que o mundo oferece para esse problema – trata-se, afinal, como algo que dependa exclusivamente da mudança de atitude. A ironia dá sua volta final quando o apresentador de um curso de coaching também demonstra sintomas do mesmo mal: os problemas dos outros são sempre mais fáceis de resolver, afinal.

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A atmosfera urbana aparece em outro recorte em 25 Anos sem Asfalto: se Gosta de Poesia? é branco e de classe média alta, este é negro e periférico, com distopias muito mais reais: a vida em uma comunidade desprovida de serviços públicos essenciais, e que oferece dificuldades que terminam num resultado, de certa forma, análogo: uma separação entre os indivíduos, uma distância que resulta do problema central e que se dá de forma trágica, amarga e brutal.

O gaúcho Desvirtude busca um diálogo exatamente sobre outra chaga social perene: o racismo, aqui exposto a partir de um comentário sarcástico de um professor universitário. A intenção de despertar indignação e reflexão no seu público – seja ele de negros que se identifiquem com a violência sofrida pela personagem, seja de brancos que se identifiquem com o agressor e possam questionar seu papel – é cumprida, deixando, entretanto, uma sensação de incompletude, de que mais ideias são propostas do que efetivamente desenvolvidas.

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Por fim, o outro representante gaúcho, Entre, destoa dos demais filmes por abdicar de temáticas mais abrangentes, optando por construir um drama romântico que flerta com o melodrama: um fotógrafo seduz uma mulher casada; os dois vivem um romance, mas ele acaba por enviar suas fotos ao marido dela, destruindo a confiança. Algumas escolhas parecem mais talhadas para o longa-metragem do que para um formato que exige maior concisão, como é o curta: ao tomar seu tempo na construção do romance, o filme chega a um desfecho abrupto e em pouco justificado pela construção anterior da narrativa.

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