“Eu canto samba porque só assim eu me sinto contente.” É dessa forma, com simplicidade e sentimento, que Paulinho da Viola define a sua relação com o samba. A apresentação que fez na noite de quinta-feira, 10, em Porto Alegre exaltou a “velha intimidade” do mestre com a mais autêntica das expressões artísticas brasileiras.
O show foi o segundo desde que retomou a turnê interrompida pela pandemia e ocorreu com quase dois anos de adiamentos. Diante de um Auditório Araújo Vianna praticamente lotado – todos devidamente protegidos com máscara e vacina, já que o “passaporte” foi exigido no acesso –, o baluarte da Portela, que em novembro completará 80 anos, fez um espetáculo do seu jeito.
Acompanhado de cinco músicos de diferentes gerações – um deles, seu filho João –, dispensa cenários, discursos e pirotecnias. Ali, tudo se voltava para o que realmente importa: o samba. Paulinho não chama a atenção para si. E, aliás, pouco falou de si mesmo ao longo de uma hora e 30 minutos. Quando falava, preocupava-se mais em dar créditos aos parceiros com quem dividia a autoria das canções. Mencionou Eduardo Gudin, Sérgio Natureza, Noca da Portela e Elton Medeiros, entre outros.
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Paulinho não é um performer. Nas conversas entre uma música e outra, revelava até uma certa timidez. Quando alguém gritou “eu te amo”, respondeu com um aceno e um sorriso encabulado. Com a costumeira gentileza que lhe rendeu o apelido de “príncipe do samba”, pediu licença para afinar o violão, explicando que as cordas são afetadas pela climatização do ambiente. Lá pelas tantas, contou história de um certo Carnaval quando misturou-se à multidão no centro do Rio de Janeiro para acompanhar os blocos e, por coincidência, um deles apareceu entoando uma música dele. Qual a surpresa da plateia ao descobrir que a canção à qual se referia era “apenas” a inebriante Foi um Rio que Passou em Minha Vida, possivelmente o mais emblemático de todos os sambas.
Com essa discrição, não tão comum para quem acumula mais de cinco décadas de carreira, Paulinho desfilou sua magnífica obra, dividindo-se entre o violão e o cavaco. Começou com a poética Coisas do Mundo Minha Nega, de seu primeiro disco, de 1968, que já era uma espécie de ode ao samba. E não foi a única homenagem: “O samba é um vício que eu não posso abandonar”, disse em Ela Sabe Quem eu Sou; “O samba se transforma como a vida”, disse em Nas Ondas da Noite. Em outras tantas, mostrou composições sofisticadas: “O sol que morre nos cabelos das morenas / Um dia nasce sobre as ruas que sonhei”. Ao introduzir Para um Amor no Recife, contou que o “amor” a que a letra faz referência não era um romance e sim uma senhora com quem, ainda jovem, fez amizade e que passou a chamá-lo de “filho”. “Mas tem mais coisas por trás dessa música que eu não posso falar”, brincou, antes de executar a primeira nota.
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Não faltaram, e nem poderiam, clássicos como Roendo as Unhas, Onde a Dor Não tem Razão, Coração Leviano, Dança da Solidão e Timoneiro. O roteiro, porém, também incluiu outras não tão óbvias, como a divertida Vela no Breu – a grande surpresa da noite – e as belíssimas Retiro e Ainda Mais, além de Sempre se Pode Sonhar, título do álbum que lançou durante a pandemia e com o qual conquistou um Grammy Latino. Os mais atentos notaram a falta de Amor à Natureza, Pecado Capital, Não Quero Você Assim e Talismã, para ficar em algumas, mas nada que tirasse o brilho.
No bis, interpretou Lupicínio Rodrigues com Nervos de Aço e a angustiante mas bela Sinal Fechado. No tris – sim, houve tris! –, resgatou uma pérola de seu repertório: Argumento, de 1975, no qual protestava – com toda a elegância, é claro – contra a descaracterização do samba e recomendava: “Faça como o velho marinheiro/ Que durante o nevoeiro / Leva o barco devagar”. Assim, Paulinho mostrou-se, uma vez mais, um profundo apaixonado pela arte que defende com maestria. E um crente de que, como diz a formidável Peregrino, também lembrada no setlist: “Todo samba, no fundo, é um canto de amor”.
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