Nascido em Montenegro, em 10 de novembro de 1945, e residente em São Leopoldo, o pastor luterano, professor e historiador Martin Norberto Dreher é, aos 76 anos, uma das autoridades sobre imigração alemã no Rio Grande do Sul e em todo o Brasil, em especial no que esta se aproxima da fixação e da expansão da igreja luterana no País. Além de sua já longa e destacada trajetória no Ensino Superior, como doutor em História da Igreja por Munique, na Alemanha, tendo lecionado junto às Faculdades EST (Escola Superior de Teologia) e à Unisinos, é pesquisador, escritor, ensaísta e tradutor.
Nessa condição, foi responsável direto pela tradução de importantes autores e memorialistas alemães à língua portuguesa, vários a partir do alemão gótico, que já não é de conhecimento de muitos, até mesmo especialistas. Foi assim que, mais recentemente, em 2019 saiu pela editora Oikos, de São Leopoldo, A imigração alemã para o Sul do Brasil até o ano de 1859, obra do pastor alemão Ferdinand Schröder (1892-1978), que veio ao Brasil em 1921 e atuou como pastor em Barão do Triumpho, atual Sertão Santana, e também em São Leopoldo.
Ao retornar à Alemanha, em 1925, defendeu posteriormente tese de doutoramento em Berlim, em 1931, com o texto que mais tarde resultaria justamente no conjunto de impressões reunido no livro agora traduzido por Dreher. Além do panorama apresentado por Schröder, em levantamentos que envolveram, por exemplo, visita a Santa Cruz do Sul, ele compartilha um amplo e diferenciado recorte do melhor da bibliografia de memorialistas e viajantes encontrável na Alemanha.
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Entrevista com Martin N. Dreher
Magazine – O senhor acaba de traduzir memórias de Tschudi de sua passagem pelo Estado, inclusive por Santa Cruz, em 1861. O que representa esse texto para as gerações atuais?
Martin N. Dreher – Na realidade, o livro foi redigido a partir das anotações de Johann Jakob von Tschudi feitas por ocasião de duas viagens ao Rio Grande do Sul e aos Estados do Prata (nome que então era dado à atual Argentina), em 1858 e 1861. Não conseguimos viver sem a memória do que foi. Sem ela, não conseguimos entender o presente, corrigir erros e ter esperanças para o futuro.
O que mais lhe chama a atenção no que Tschudi revela sobre Santa Cruz, e sobre outras colônias alemãs no Estado?
Santa Cruz está em seus primórdios, mas Tschudi já nos revela as dificuldades existentes no transporte, a diferença entre culturas que depois irão se fundindo para formar o Brasil em que vivemos. Fala das dificuldades existentes, da corrupção, mas também das belezas que se apresentam para populações que antes nada tinham e agora tinham a possibilidade de planejar dias melhores para si e os seus.
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O senhor também traduziu outros viajantes, como Ferdinand Schröder. Qual a grande riqueza que tais textos do passado representam para nós, em diferentes áreas do saber?
Somos um povo de pouca memória, que vive “reinventando a roda”. Minha função enquanto historiador é possibilitar pesquisa, melhoria na qualidade do ensino e facilitação de acesso à história às populações atuais. Se todos os que migraram e ainda migram para a região de Santa Cruz conhecessem sua história e a história da região, na qual residem e residirão, poderíamos construir sociedade mais humana e solidária.
A Gazeta do Sul terá o privilégio de compartilhar em breve tradução inédita até o momento, feita pelo senhor, de olhar do alemão Alfred Funke sobre Santa Cruz. Quem é esse personagem e por que ele é tão importante?
Alfred Funke foi um pastor luterano da atual Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. Era doutor em Teologia e foi pastor em Rio Pardinho de 1896 a 1901, retornando à Alemanha em 1901. Era natural de Wellinghofen, na Vestfália ,onde nasceu, em 1869. Não era muito estimado por seus colegas na região de Santa Cruz, pois vivia viajando e tendo que ser substituído pelos colegas. No entanto, de suas anotações surgiram obras importantes que preservam nossa memória. Menciono: Die Besiedlung des östlichen Südamerika mit besonderer Berücksichtigung des Deutschtums. Halle an der Saale, 1903; e Aus Deutsch-Brasilien. Bilder aus dem Leben der Deutschen im Staate Rio Grande do Sul. Leipzig 1902. Essa última obra é de especial importância para a região de Santa Cruz, pois nela relata cenas do cotidiano da Colônia.
O senhor entende que falta, de organismos públicos e privados, maior empenho para trazer o legado dos viajantes às gerações atuais?
Vivemos uma atualidade na qual o antigo Ministério da Cultura foi degradado a Secretaria no Ministério do Turismo! Cultura, Educação e Saúde não estão na lista de prioridades no Brasil atual. Para publicar Tschudi tive que recorrer a auxílio de amigos, pois nem mesmo o governo suíço mostrou-se interessado. A área das Ciências Humanas é, atualmente, uma das mais desprestigiadas no Brasil. Temo que no futuro não tenhamos mais professores para nossos netos e bisnetos. Necessitamos de mobilização de nossa população para que as administrações municipais, estaduais e, principalmente, federais invistam mais em Educação e Cultura.
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Que outros viajantes ou outras personalidades dos tempos da colonização mais lhe marcaram e que merecem ser lidas sempre?
A memória brasileira começa a ser preservada por um alemão chamado Hans Staden, que escreveu o primeiro livro sobre o Brasil, já no século 16. Durante o período colonial, tivemos toda uma outra série de viajantes que nos legaram obras, todas elas convenientemente listadas por Carlos Henrique Oberacker Jr., cujo pai de mesmo nome também escreveu importantes memórias, das quais traduzi com minha esposa Na terra ensolarada do Brasil, na qual está preservada a memória das colônias pomeranas do Sul do Rio Grande do Sul. Lembro que sobre os primóridos escreveu João Daniel Hillebrand. Mas há tantos outros, que teria que lhe fornecer uma enciclopédia de escritores alemães sobre o Brasil.
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