O término da Rua Capitão Pedro Werlang, no Bairro Higienópolis, em Santa Cruz do Sul, poderia ser considerado um portal de entrada para outro mundo, como muitos se arriscam a dizer. Um parque no qual a riqueza da fauna e da flora impera, a cerca de dois quilômetros de distância do Centro. Nas árvores, no verde, nos animais que encantam gerações, na natureza que alimenta a alma. Do bisavô ao neto, o Parque da Gruta tem conquistado admiradores ao longo das últimas cinco décadas. E eles estão por todos os cantos, de Norte a Sul do País, talvez até do mundo. São frequentadores que fazem do local um dos cartões-postais mais visitados na região. Aquele que tem cheiro de piquenique, de churrasco com os amigos, caminhada no fim de tarde, banho de cascata, trilha com os colegas, aventura, confraternização. Uma morada ambiental que, conforme registros, abriu seus portões oficialmente em 14 de dezembro de 1969. O pulmão verde que ajuda a cidade a respirar.
Cheiro de saudade
Na sala de casa, nas proximidades do Colégio Mauá, os herdeiros de Henrique João Filter recordam como era a área muito antes da abertura aos visitantes. Já em meio às trilhas do Parque da Gruta, as lembranças ganham cor. “Esse era o mundo dos Filter. É muita saudade”, ressalta o neto Hugo Filter, de 77 anos, filho de um dos herdeiros de Henrique. “Isso aqui tem cheiro de infância. Eu vinha de Porto Alegre com meus pais para tomar banho no arroio. Queria morar aqui”, afirma a bisneta Denise Xavier, 51 anos, ao lado da prima Ana Lúcia Filter Künzel, 48, sob a sombra dos plátanos plantados pelos antecessores.
Para as novas gerações, ao trafegar pela área na qual o parque existe há 50 anos, fica difícil imaginar que um dia tudo aquilo foi morada de vacas de leite, com lavouras de milho e plantações de cana-de-açúcar. Muito antes de receber moradores e turistas, os Filter davam início a sua prole, em uma propriedade com cerca de 26 hectares. A Rua Ernesto Iserhard, a última à esquerda de quem segue do Centro para a Gruta, era o fim da linha. A entrada nas terras, por sua vez, ocorria pela Rua Cristóvão Colombo.
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Embora registros históricos apontem que o parque começou a ser utilizado para a instalação da Hidráulica Municipal, pelo intendente Galvão Costa, por volta de 1900, a primeira desapropriação aconteceu em 1924. A segunda, contudo, foi realizada há praticamente 30 anos, no dia 30 de agosto de 1990. A soma resultou nos 17,4 hectares que atualmente reúnem trilhas, caminho para a cascata, área de lazer, lagos, pedalinhos, parque de aventuras, lancheria e restaurante. “Nós seguíamos de carroça até a gruta. Até hoje esses caminhos existem”, comenta Hugo Filter.
Na sombra das árvores, um encontro entre épocas
Quando o prefeito Edmundo Hoppe oficializou o parque, em 1969, Santa Cruz nem poderia imaginar o que o local representaria no futuro. Naquele ano, o ato inaugural não foi possível em razão de uma forte chuva, mas as portas já estavam abertas. Em 1971, foi construído um galpão rústico com churrasqueira. Dois anos depois houve a ampliação dos investimentos, com criação de um playground, os lagos e o plantio de mais árvores.
Em 1968 foram localizados objetos indígenas na área do parque, possivelmente de tribos nômades. Por isso, durante muitos anos o lugar foi denominado Gruta dos Índios. Mais tarde, em 2012, contudo, pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) constataram que a estrutura era uma paleotoca, um abrigo subterrâneo cavado por preguiças gigantes da chamada megafauna.
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Nesse reduto histórico e de preservação ambiental, o empresário Ricardo Toillier acompanhou, por pouco mais de 25 anos, a trajetória do pai, Ruben Toillier (falecido no início de outubro), ao lado do amigo Eugênio Paulo Baier. De 1o de maio de 1993 a 13 de janeiro de 2019, a dupla gerenciou um dos pontos gastronômicos mais conhecidos de Santa Cruz. “Na época eu tinha 18 anos, estava cursando Ciências Contábeis. O restaurante foi a melhor escola da minha vida”, lembra Ricardo.
Na época, o empresário recorda que não havia pavimentação no entorno e a cobertura do telhado era de santa-fé. “Naquele tempo, não era muito comum as pessoas saírem para almoçar. Havia apenas seis restaurantes em toda a cidade.” Da vivência, Ricardo coleciona histórias e lembranças de visitas ilustres, como a dos Trapalhões, da modelo Ana Hickmann e do técnico de futebol Mano Menezes. “Foi um período de muito trabalho, união, empenho e dedicação para as duas famílias”, ressalta.
Eugênio Paulo Baier, conhecido pelo talento gastronômico, lembra com alegria da época em que convidou Ruben para formar a sociedade no antigo Restaurante da Gruta. “No início, nós convidávamos entidades santa-cruzenses para realizarem suas reuniões lá e conhecerem nosso cardápio. Foi uma época boa.”
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Em família
O aposentado Eugênio Perkoski e a funcionária pública Sandra Perkoski percorreram cerca de 300 quilômetros até chegar a Santa Cruz do Sul, na última quinta-feira. Na companhia da filha Graciele, hoje moradora de Bento Gonçalves, escolheram o Parque da Gruta para um piquenique. Na roda, regada a chimarrão e um belo bolo, também estava o filho Eduardo, estudante de Medicina na Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), e sua namorada Sabrina de Souza, acadêmica de Fisioterapia e natural de Passa Sete. “Chegamos e já viemos para cá. É nossa primeira vez aqui. O parque é muito bonito e seguro. Não temos isso na nossa cidade”, disse Sandra.
O que será do amanhã?
Enquanto a Prefeitura de Santa Cruz planeja realizar melhorias no acesso à cascata e no mirante do Parque da Gruta em janeiro de 2020, tem gente planejando um novo espaço de aprendizado. Desde dezembro de 2016 organizando atividades no local, em uma parceria com a Associação de Entidades Empresariais de Santa Cruz do Sul (Assemp), a UP Aventuras tem novidades para o ano que vem.
O espaço vai receber uma escola de montanhismo. “Iremos oferecer cursos de rapel, canionismo, escalada em rocha, trekking e demais atividades relacionadas aos esportes de montanha”, afirma o sócio-proprietário Théo Machado. Por enquanto, escalada, arvorismo, tirolesa, trilha guiada e rapel ao lado da cascata, com 17 metros de altura, continuam sendo oferecidos aos visitantes.
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O atendimento ocorre nos fins de semana e feriados, das 10 às 18 horas, com valores que variam de R$ 12,00 a R$ 55,00. De segunda a sexta-feira, no entanto, é preciso agendar atendimento para grupos. “Os participantes recebem orientações e supervisão de monitores especializados em turismo de aventura, e todos os equipamentos de segurança para praticar as atividades”, esclarece Théo.
Desde julho, o Parque da Gruta também conta um com novo empreendimento: o Oktober Garten. Sob a administração de Alexandre Humburger, o restaurante recebeu investimentos na faixa de R$ 1 milhão. “Fico feliz de fazer parte dessa história. Trajetória da qual faço parte desde criança, quando vinha visitar o local com minha família e tomar banho de cascata. Por isso investi aqui, valorizando nosso parque”, diz Alexandre.
Um pouco mais de história
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ENTREVISTA
Jair Putzke
Doutor em Botânica
Qual é a importância do Parque da Gruta para Santa Cruz?
Ele é um dos cartões-postais da cidade, em especial pela decisão acertada de transformá-lo numa área de lazer em meio à natureza. Sem o trabalho dos pioneiros, não teríamos essa joia ambiental para deleite dos visitantes. O local permite que as pessoas entrem em contato com a floresta – ainda que modificada – e que se interessem pela preservação.
As trilhas com possibilidade de acompanhar uma vegetação ciliar permitem compreender como a floresta é importante para a manutenção da água. É um parque quase no meio do Cinturão Verde, um local de passagem de animais, como os macacos-prego, que procuram a área para reprodução, dessedentação e alimentação.
O que é possível encontrar em termos de fauna e de flora?
Como é uma área de grande umidade, há espécies típicas desse microclima gerado. Há endêmicas, como um musgo, somente desse local, e uma bromélia, encontrada apenas no Cinturão Verde. Convivem cerca de 45 mamíferos, residentes ou transeuntes, com cerca de cem espécies de árvores. É uma biodiversidade incrível. Legado de nossos antepassados.
Qual é seu principal diferencial?
Fica no meio de um corredor ecológico. A biodiversidade reveste muros, troncos e folhas, resultando num multicolorido natural, além de trilhas bem implantadas e seguras. Isso deixa o visitante de fato num ambiente natural, mesmo fazendo seu churrasquinho. Ainda podem ser encontradas árvores exóticas.
Por que preservá-lo?
Muitas gerações passaram pelo parque e muitas ainda passarão, desde que a atual cuide dele. É importante as pessoas se darem conta de que a região teve árvores gigantes que não existem mais. Conservá-lo pode deixar a natureza voltar a ser o que era no passado. Visitar o local sem agredir nenhuma espécie é deixar o ambiente atingir o seu clímax novamente. Toda vez que se investe em natureza, investe-se nas futuras gerações. Esse parque é o local para esquecer dos problemas e finalmente se acalmar, porque sabe-se que árvores transmitem paz e tranquilidade.
Tive o privilégio de poder entrar milhares de vezes no parque, principalmente com estudantes, e toda vez eu encontro algo novo para estudar, algo inédito para a ciência. Ter isso no meio de uma cidade é algo incrível, tanto para o cientista quanto para o leigo.
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