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Para proponente, lei que reduz idade mínima respeita individualidade da criança

Sancionado pelo governador Eduardo Leite na última sexta-feira, 27, o projeto que permite que crianças de 5 anos sejam matriculadas no primeiro ano do Ensino Fundamental gera polêmica no Estado. Muitos professores criticam a legislação, que tiraria dos pequenos um período dedicado ao aprendizado por meio da brincadeira. O proponente da lei, deputado estadual Eric Lins (DEM), defende que o texto cria instrumentos para que sejam respeitadas as capacidades individuais da criança.

O parlamentar explica que se dedicou ao tema a partir de diversos pedidos que chegaram até ele. “Ao longo do tempo muitas pessoas me trouxeram suas preocupações com a injustiça que é uma criança fazer aniversário no dia 31 de março e ir para a primeira série e outra que faz aniversário no dia primeiro de abril, dia 2, uma semana, um mês depois, ficar fora. Às vezes, por um dia, fica mais um ano no ensino infantil”.

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Atualmente, de acordo com termos usados pelo deputado, há presunção absoluta de maturidade ou imaturidade da criança pela data de aniversário. Aquela que faz seis anos até 31 de março é tida como absolutamente madura, em condições de cursar o primeiro ano do Fundamental, enquanto a que faz aniversário a partir de 1º de abril é tida como absolutamente imatura, sem essas condições.

“A gente criou, em vez de duas faixas absolutas, uma faixa absoluta e duas relativas”, explicou Eric Lins. A presunção absoluta, segundo a nova lei, é para crianças que fazem 6 anos até 31 de março. Essas, indiscutivelmente, têm condições de estar no primeiro ano, como já previa a legislação.

Aquelas que fazem 6 anos entre abril e maio têm “presunção relativa de maturidade”: a criança pode ser matriculada no primeiro ano, mas os pais ou a professora da pré-escola podem determinar que ela não está pronta e ela pode seguir na Educação Infantil. “Esta regra já está valendo a partir de 2020”, destaca Lins.

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As crianças que completam o sexto ano de vida entre 1º de junho e o fim do ano têm “presunção relativa de imaturidade”, ou seja, elas não têm, a princípio, condições de estar no Ensino Fundamental, mas a matrícula no primeiro ano pode ser solicitada pelos pais, precisando, para ser efetivada, ser aprovada por professores. Esta regra só entraria em vigor em 2021.

“Cada criança tem seu ritmo, cada criança tem seu tempo. O objetivo é dar à prestação de serviço público, que é a prestação da educação, um viés particular, de olhar a criança na sua individualidade, respeitando o ritmo dela e não transformando ela em um mero número”, argumenta Lins.

Segundo ele, antes de ser protocolado, o projeto foi discutido por profissionais de diversas áreas e também com a Secretaria Estadual da Educação, que foi favorável, e com o Conselho Estadual de Educação, que sugeriu alterações – que foram feitas, de acordo com o deputado. Uma destas mudanças prevê que a lei não se aplica a crianças que não fizeram a Educação Infantil – estas seguem precisando ter 6 anos até 31 de março para ingressar no Ensino Fundamental.

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Para 2020, a legislação não deve ter impacto significativo, já que as matrículas foram encerradas em novembro e há apenas um período para candidaturas a vagas que sobraram, a partir de 6 de janeiro. A posição é do chefe da 6ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), Luiz Ricardo Pinho de Moura. “No entanto, não recebemos nenhuma orientação da Secretaria Estadual de Educação, referente a esta mudança. A resolução foi aprovada pelo Conselho Estadual de Educação, falta agora o Estado se posicionar sobre esta questão”, acrescenta o coordenador.

Professores acreditam que lei prejudica crianças

“Criança na idade certa é o primeiro passo para que tenhamos melhores resultados”. Esta é a opinião de Nestor Raschen, diretor do Colégio Mauá, de Santa Cruz do Sul, e membro da diretoria do Sindicato do Ensino Privado no Rio Grande do Sul (Sinepe). Segundo ele, o projeto gera insegurança e desorganiza um sistema que já estava posto e compreendido pelas famílias. “Fomos pegos de surpresa pelo projeto. Achávamos que o próprio governador ia vetar, mas fomos surpreendidos pela sanção”, relata.

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“Não precisamos apressar processos. Eu sempre digo para os pais, essa geração vai chegar aos 100 anos, vai trabalhar até 70, 75 anos. Não precisamos queimar etapas. Nós sabemos que aquele que teve pouca oportunidade de brincar na infância vai ter problemas na vida adulta”, opina o professor Raschen. “No mundo inteiro se entende que a alfabetização se dá no entorno dos 7 anos”, acrescenta.

No Mauá, a lei não deve gerar alterações, porque as vagas para o primeiro ano em 2020 já estão preenchidas e porque a direção já toma cuidado nas matrículas da Educação Infantil, para que a criança tenha 6 anos de idade no primeiro ano do Ensino Fundamental. Segundo o diretor, nunca houve resistência a esse procedimento: “Sempre tivemos diálogo com os pais e mostramos que só estávamos querendo o bem da criança”.

Raschen afirma que pretende pedir um posicionamento do Conselho Estadual da Educação a respeito da nova lei. Caso a legislação se mantenha, a direção do Mauá deve trabalhar na conscientização dos pais sobre a importância da entrada no Ensino Fundamental aos 6 anos.

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O próprio professor Raschen tem um neto de 6 anos, nascido no mês de novembro. Ele aprendeu a ler ainda na pré-escola e poderia estar enquadrado na nova legislação, entrando aos 5 anos no Ensino Fundamental. No entanto, o menino fará o primeiro ano em 2020 e o avô e professor entende que foi melhor assim.

A pedagoga, mestre em Educação e doutoranda em Educação na linha de estudos sobre infância da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) Niqueli Streck Machado também é contra a nova lei. “Sou contra justamente por defender o direito à infância.”

“Crianças de 5 anos no Ensino Fundamental vão ser submetidas a processos de avaliação e exigências inadequadas. É um desrespeito com a infância, com o brincar”, afirma.

Niqueli destaca que, na infância, poucos meses fazem diferença. “Eu fui professora de pré por cinco anos e percebia como as crianças voltavam das férias com muitas coisas que aprenderam, desenvolveram. O tempo de aprendizagem da criança é diferente do adulto, elas aprendem muito mais, então poucos meses fazem diferença”. Segundo ela, o corte etário por data, como prevê a legislação nacional, é muito importante para organizar o sistema, mas também para respeitar o tempo das crianças.

Segundo a professora, não é por acaso a mudança de palavras entre Educação Infantil e Ensino Fundamental. No primeiro caso, a ideia é que a criança não seja vista como aluno, mas como criança. “Até o tempo de pracinha é importante e é reduzido no Ensino Fundamental. Uma criança de 5 anos precisa viver muito o corpo, aprender através dele.”

A discussão não é nova. Já em agosto de 2018 o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou uma ação que pedia o fim da data de corte em 31 de março para a matrícula no Ensino Fundamental. O STF, naquela ocasião, entendeu pela manutenção da regra.

Ainda de acordo com o deputado Eric Lins, a nova lei pode aliviar a Educação Infantil, sempre carente de vagas. A expectativa dele é de que, já no primeiro ano, entre 10 mil e 20 mil crianças saiam da Educação Infantil e entrem para o Ensino Fundamental. A proposta também poderia antecipar recursos para o Estado por meio do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), distribuído de acordo com a quantidade de matrículas.

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