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Pandemia e adaptação

Quando em março tudo eram flores mas as notícias sobre o tal bicho chinês começaram a avultar, pensei: isso aí é uma gripezinha como tantas que passeiam pelo nosso planeta por séculos e séculos amém.

Tenho uma amigona em Xangri-Lá que tem um comércio de vinhos finos, espumantes, chocolates importados etc. Com ela eu fazia meu estoque de bebidas. Ela trazia as caixas na minha casa. É daquelas alemoas que tem quase mais força que homem. Descarregava as caixas na calçada e saía bem faceira. E eu me apressava para tirar as encomendas da calçada para que os vizinhos não me estranhassem ou me rotulassem de ébrio contumaz. Certo dia encomendei umas caixas e ela veio com seu Fiat Uno vermelho de duas portas. Descarregou na calçada e gritou para minha mulher, mais nova do que eu: “não deixa ele ir no supermercado. O pessoal de Porto Alegre e redondezas veio todo para o litoral e o vírus chegou aqui na praia”.

Realmente, em pleno março Xangri-Lá parecia no auge do verão. Minha mulher e filhos tomaram a chave do meu carro e a esconderam em lugar incerto e não sabido. Me obrigaram a ficar de quarentena. Claro que fiquei miando e pedindo a chave, mas tudo para me encher de baldas. Passava o dia pedindo coisas daqui e dali.

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Acabaram me devolvendo a chave, mas já me havia acostumado mal e ficava dando ordens.

Comecei a me dedicar a conhecer melhor meus circunstantes. Iniciei por meus diletos lixeiros. Aqui o caminhão do lixo orgânico passa cedo terças, quintas e sábados, por volta de 7h30 da manhã. O caminhão dos recicláveis passa segundas, quartas e sextas, perto do meio-dia.

Comecei a esperar os caminhões para ofertar aos rapazes e moças coisas de que não estava precisando. Os vizinhos começaram a selecionar o lixo e aderiram à ideia de doar o que não estavam mais usando. Em princípio não se dá dinheiro, e sim víveres.

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Então esses lixeiros são nossos amigos. Quando o caminhão parte, é aquela maravilha de acenos. Já aconteceu que um lixeiro veio fora de hora na minha casa pedir 50 reais emprestados para comprar remédios. Juro, no fim do mês veio devolver. Deixei para ele, mas advertindo que não abusasse.

Morando aqui a uma quadra da praia, numa casa muito grande, com jardins e piscina, comecei a fazer consertos, alguns muito específicos: aqui tem quem ajeita tua lareira que bota fumaça para dentro de casa; tem o que instala a chaminé do teu fogão a lenha, e assim vai.

Na próxima vou narrar a volta das serenatas e dos saraus ao anoitecer. Dentro dos protocolos.

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Para espanto dos passantes, que pararam seus carros.

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