Praticamente todos os pais e mães já devem ter sido confrontados com essa complexa pergunta, às vésperas da Páscoa:
– Coelhos botam ovos?
Sabe-se que não. Via de regra, aprendemos que o único mamífero que bota ovos é o ornitorrinco, uma criaturinha tão simpática quanto estranha, também dotada de bico e de patas que lembram pés de pato. E que vive na Austrália, país famoso por sua fauna exótica e única. Mas, pasmem: o ornitorrinco não é o único mamífero ovíparo. Ele tem um primo chamado equidnas, bicho muito parecido com nossos porcos-espinhos, mas que também bota ovos e vive, claro, na Austrália.
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Os biólogos admitem que ainda há muito a se descobrir sobre a fauna e flora do planeta, mas têm certeza de uma coisa:
– Não. Definitivamente, coelhos não botam ovos.
Mas então, como explicar a nossos filhos essa estranha relação que se estabelece, a cada transcurso da Quaresma, entre ovos e coelhos? De onde o Coelho da Páscoa tirou essa ideia de presentear as crianças com ovos de chocolate?
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Ciente do drama que tantos pais enfrentam diante dessas perguntas, e mantendo a nobre proposta pedagógica desta coluna, vou tentar explicar.
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Ocorre que uma das felizes peculiaridades do homo sapiens é sua predileção por símbolos. Tanto que o filósofo Ernst Cassirer (1874-1945) usava a expressão em latim homo symbolicum para nos definir. A tudo o que existe atribuímos sentidos e representados por símbolos. E os símbolos estão por todos os lados – nos capôs dos carros, no escudo de nosso time, na bandeira de nosso Estado, nos corações transpassados por flechas, esculpidos nas árvores por jovens apaixonados…
Portanto, nada mais justo que a Páscoa, data repleta de sentidos – de ressurreição, de vida nova – tenha também sua coletânea de símbolos. O ovo, por motivos óbvios, simboliza uma nova vida que está por vir. Mesmo antes do cristianismo, já era empregado na tradição judaica durante a Pessach, que celebra a libertação dos hebreus da escravidão no Egito. Claro que os ovos de chocolate são uma invenção bem mais recente – prática e deliciosa.
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Já o coelho surgiu como símbolo pascal no século 16, na Alemanha. Muito atentos às peculiaridades da natureza, os alemães perceberam – apesar de prezarem pela discrição em assuntos de foro íntimo – que os coelhos têm grande capacidade de procriação. E concluíram:
– Das Kaninchen serrr uma imporrrtante símbolo de vida nova!
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De fato, esta pode ser uma simbologia complicada de se explicar às crianças, que nunca se dão por vencidas em seus questionamentos.
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– Mas pai… como o ovo pode ser símbolo de vida nova, se o ocupante da casquinha foi parar na frigideira?
Ah, essas crianças…
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Lá em casa, por exemplo, a frigideira não tem descanso durante a Quaresma. Afinal, é preciso reunir um grande número de casquinhas de ovos, a serem coloridas com tinta têmpera. Seguindo uma antiga tradição, algumas são preenchidas com cri-cri. Outras são empregadas na ornamentação da chamada árvore pascal, esta uma invenção mais recente, que mescla o sentido dos ovos com o das árvores – também símbolos de vida.
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Uma vez que eu tenha encontrado um galho propício para a árvore pascal, as gurias se encarregam de decorá-lo com as casquinhas coloridas. A manutenção desse ornamento, contudo, exige cuidados. Pessoas estabanadas devem ficar distantes da árvore, pois qualquer esbarrão pode resultar em casquinhas quebradas. Certa vez a caçula, Ágatha, deparou-se com os destroços de um ovo colorido no chão e nem pestanejou antes de me acusar.
– Pai, mais cuidado!
– Não fui eu – aleguei, e apontei o dedo para o nosso boxer. – Foi o Hércules!
Dias depois, o acidente se repetiu e a traquinas veio cobrar novas explicações.
– Vai acusar o Hércules de novo?
– Não… – retruquei. – Desta vez foi o Coelho da Páscoa…
– Ah é? E onde estão as pegadas que ele costuma deixar pelo chão, quando entra escondido aqui em casa? E os doces?
E fiquei sem resposta.
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O inconveniente dos símbolos é que, muitas vezes, corremos o risco de esquecer o que representam. Que atire a primeira pedra quem nunca se empanturrou com ovos de chocolate sem lembrar-se de seu significado.
Por isso, convido o leitor a também refletir, nesta Páscoa, sobre a simbologia da data. Não, não é preciso ler a obra de Ernst Cassirer – aliás, nem sei se ele escreveu sobre a Páscoa. Basta ter em mente que esse é um tempo de vida renovada – quiçá, uma vida ainda mais altruísta, compreensiva e solidária para com quem, neste momento tão difícil, tanto precisa.
Enfim, fica o meu desejo, aos leitores desta coluna, de que esta seja uma Feliz Páscoa (mesmo com a justa necessidade de distanciamento social).