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Entre a escola e a nossa casa ficava uma ferraria. O ferreiro era o senhor Teobaldo Dreyer, auxiliado por seus dois filhos, Corsini e Arcido. Ferravam cavalos, fabricavam carroças, arados, instrumentos de uso na lavoura. Criança, eu olhava encantado para o rubro ferro em brasa que, malhado, se transformava em ferramenta de trabalho. Depois de batido, formatado, o ferro era mergulhado num tanque de água fria para tirar o calor. Certo dia, um dos filhos me estendeu uma peça ainda fervente para eu tocar. Até hoje ainda lembro o pito que levou do pai pela ação que iria perpetrar.

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Outro dia, passando pela ferraria, o Arcido chamou para mostrar um invento extraordinário. Tinha na não um aparelho tocando música e dizia: olha, não tem nenhum fio, não está ligado em nada. Foi o primeiro rádio portátil que, maravilhado, vi na vida. Muitos anos depois, já em Santa Cruz do Sul, vi um homem falando sozinho. Estávamos na frente do balcão de uma padaria. Olhei para o lado e o homem falava num aparelho estranho. Foi o primeiro celular que, maravilhado, vi na vida.

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Nosso rádio em casa era tocado a bateria. Antes de essa fonte chegar, a luz provinha de lampiões alimentados por querosene. Não havia rádio. Mas, as baterias, carregadas numa mínima usina de água, iluminavam mais e possibilitaram a chegada de um rádio. Lembro até hoje, a marca era Clipper. Assim, entrou música em nosso lar, vieram notícias, alguns programas de humor, até radionovelas, que uma de nossas irmãs adorava acompanhar.

Quando a bateria passava da metade, aos poucos a intensidade da luz diminuía, ia esmaecendo, até o colapso definitivo. A voz do rádio silenciava, a luz amarelada dos lampiões voltava a reinar soberana, até a volta esperada das baterias recarregadas. A luz elétrica veio mais tarde. Só tinha um defeito: quando chovia, os fios ficavam molhados e a energia voltava no mínimo depois de dez dias, quando a boa vontade da concessionária permitia.

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Na Rádio Venâncio Aires, havia um programa noturno apresentado pelo senhor Wilibaldo Lenz. Nós o conhecíamos, porque comprava sebo proveniente do matadouro que nossa família possuía. Fabricava sabão, mas também balas, muito boas, por sinal. Enquanto ele ia ao galpão ver o produto a ser adquirido, nós assaltávamos seu caminhão e nos servíamos das balas ali enlatadas. Depois, quando retornava, generosamente nos brindava com mais balas. Nosso pai escutava o programa e chegou a insinuar que talvez seu Wilibaldo jogasse balas pelo rádio. Nossa ingenuidade infantil botava fé, embora esse milagre nunca tivesse se concretizado.

Há figuras e momentos marcantes que ficam para sempre em nossa vida. O senhor Lino Puhl era uma pessoa maravilhosa, um homem bom, e assim permanece em minha lembrança. Além de agricultor, uma de suas funções na comunidade era ser sacristão da capela. Quando, a cavalo, passava pela estrada, um dos nossos divertimentos era pedir: galopa, Lino. Com uma alegria quase infantil, já esperando nosso apelo, nos atendia, embalando seu zaino morro acima para nosso prazer sem limite.

Há pouco dias, minha mulher me passou dezenas de fotos e cartões do passado. Quem sabia sobre isso era minha sogra. Como ela faleceu, parece-me que relevantes histórias da cidade e seus habitantes se perderam. Se não escrevemos, somente a memória não basta.

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Guilherme Bica

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Guilherme Bica

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