Otto Tesche: a insônia dos sabiás

O mês de agosto nem se despediu, ainda estamos no inverno, e os sabiás já estão novamente a madrugar. Basta prorrogar um pouco a hora do sono ou acordar em meio à noite e, bem antes de o sol raiar por detrás do Cinturão Verde, se pode ouvir a cantoria. Nos primeiros anos de Santa Cruz do Sul, estranhei esse comportamento noturno destes pássaros. Por vezes, até pensei que, diante da proibição de criar galináceos na cidade, o sabiá decidira cantar de galo na madrugada.

O pássaro é uma das espécies mais populares do país. Tanto que, em 1968, foi declarado por lei como símbolo nacional para o Dia da Ave, comemorado em 5 de outubro. No interior, onde passei a infância, também havia muitos sabiás. Adoravam os pés de laranja quando havia frutas maduras. Mas, na madrugada, só se ouvia o canto dos galos, às vezes das corujas e de outros pássaros com hábitos noturnos. 

O sabiá é o pássaro-símbolo de Santa Cruz do Sul. Não sei se já cantava de madrugada quando a Câmara aprovou a lei proposta pelo então vereador George List, em novembro de 1994. Conforme a justificativa do projeto, a ideia era preservar uma das maiores expressões de nossa fauna, “o verdadeiro regente e entoador das mais belas sinfonias do nosso meio ambiente”.

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Mas, afinal, há quanto tempo já dura essa insônia do sabiá nesta terra e o faz cantar cada vez mais cedo? Encontrei no site Conexão Planeta a informação de que em São Paulo, onde também é o símbolo do Estado, o pássaro foi alvo, em 2013, de uma das maiores polêmicas do mundo das aves. Inesperadamente, populações da espécie residentes em algumas áreas da cidade trocaram o dia pela noite e passaram a cantar por toda a madrugada. De um momento para outro, seu magnífico canto, antes idolatrado em poemas, se tornou o centro de grande número de reclamações por parte dos paulistanos incomodados pela cantoria fora de hora.

Para as aves, cantar é questão de sobrevivência. Os machos de sabiás cantam basicamente para atrair as fêmeas ou para assustar outros machos. Assim, é possível dizer que o canto é tão importante para as aves quanto os celulares são hoje para os humanos. Estudos científicos demonstraram que, entre as aves, os indivíduos que cantam mais alto, mais rápido e com um repertório maior de notas são aqueles que têm maiores chances tanto de manter territórios com abundância de alimento quanto de conquistar as melhores fêmeas e obter sucesso reprodutivo. 

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Para investigar o estranho fenômeno em São Paulo, o pesquisador em ecologia e conservação Sandro Von Matter criou o projeto Hora do Sabiá, com o objetivo de identificar os horários em que os pássaros da espécie cantam por todo o país. Os dados demonstraram que os sabiás que habitam regiões da cidade altamente impactadas pela poluição sonora se adaptaram ao barulho excessivo, deslocando seus horários de canto para o meio da madrugada. Isso ocorreu porque é somente no silêncio da madrugada de São Paulo que os sabiás encontram as condições ideais para se comunicar. Diante desta conclusão, agora já sabemos: caso o canto dos nossos vizinhos emplumados esteja nos tirando o sono, o maior culpado se encontra logo ali estacionado na garagem ou na frente da casa.

E esse comportamento pode mudar ainda mais se diminuírem as árvores na cidade, que não apenas abrigam os pássaros mas amenizam a poluição. Importante saber que, tal qual os humanos moradores da cidade, as aves também têm andado (ou voado) muito estressadas, e com sérios problemas para dormir.

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