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ELENOR SCHNEIDER

Os sons da praia

Devem ser raras as pessoas que não tenham algum som relacionado a alguma passagem de sua vida. A música certamente está entre eles. Há momentos que são evocados de forma intensa, quando, por exemplo, determinada canção reaparece e nos remete a vivências marcantes em nossa história pessoal ou mesmo familiar. Tocou a música, acendeu-se a luz da memória, revisitamos cenas que, mesmo distantes no tempo, reaparecem com todas as suas tintas, sabores e saudade.

No verão, muitas pessoas vão à praia e ali se deparam com uma variedade de vozes e sons que acabam fazendo parte intransferível dessa época e desse espaço. Alguns são extintos, outros são duradouros e insubstituíveis. Vendedores ambulantes de jornais não se veem mais, mas eram comuns, ao menos até o final do século 20. “Correeeeio do Povo, Foolha da Manhã, Zero Hora”, anunciavam cedo da manhã, percorrendo as ruas ainda silenciosas, em busca de seus clientes leitores.

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A corneta dos picoleteiros persiste no tempo. É a mesma há muitos anos, como é a mesma a alegria das crianças quando ouvem essa monótona, porém doce, suave melodia. Os carrinhos, empurrados com dificuldade pela areia ou deslizando pelas ruas, carregam felicidade. Eventualmente, essas cornetas são ouvidas nas cidades, longe do litoral, mas quando soam nos conduzem invariavelmente ao tempo maravilhoso dos verões na orla do mar.

“Olha a reeede, …. rede”. Cedo, muito cedo, lá vão eles com seus carrinhos apinhados de redes, chapéus, batas, tangas, um variado e colorido mercado a céu aberto. Execrados há pouco tempo, por suas opções políticas, esses nordestinos trabalhadores enfrentam dura jornada diária e, pela sensação que dá, voltam no final da tarde com a carga pouco reduzida, refletindo semblantes cansados, tristes.

Vale a pena conversar com eles e saber o que é uma viagem em cima de caminhão desde a Paraíba, dormindo em alojamentos precários, comendo pouco, ganhando menos ainda. Ficam meses longe de casa, das famílias. Tudo recomeça na manhã seguinte, sem tempo para remoer fracassos. E lá se vão: reeede… olha a reeede!

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Outro som da praia procede do estridente apito do afiador de facas, enxadas, machados, ou seja lá o que for. Pedalando sua bicicleta, transita pelas ruas em busca dos seus fregueses antigos ou à procura de novos clientes. Seus preços em geral são salgados, mas dá para negociar. Um é quinze reais, dois faço por vinte e cinco, três deixo por trinta. Pedala, afia, cobra e sai espalhando sua sonata inconfundível.

Mais discretos, meio pedindo licença para se anunciar, alguns empurram seus carrinhos carregados de bugigangas. Anéis, colares, brincos, pulseiras, tudo que esse universo produz, faz reluzir, vende para durar uma temporada. Uma querida sobrinha nossa, quando criança, se interessava por esses badulaques e tinha uma pergunta fatal, que ficou gravada na memória da família: é ouro ou semiouro, senhor? Era a suprema valorização daqueles arames retorcidos.

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É claro que existem muitos outros sons que nos marcam: a buzina grave dos barcos da Petrobras que, em Imbé, ainda de madrugada, vão mar adentro receber os navios petroleiros, há muitos pássaros que cantam, o constante sonido das folhas sacudidas pela brisa, o ruidoso furor das ondas, as mesmas que se deitam suaves sobre as areias da praia e semeiam sonhos para sempre.

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