O escritor argentino Jorge Luis Borges dizia que sempre imaginou o paraíso como uma espécie de biblioteca, mas em Santa Cruz do Sul há dois sebos que podem entrar nessa definição. Para os aficionados por livros, estantes abarrotadas com centenas de títulos ainda não lidos podem ser um desejo, mas para duas moradoras do município são uma paixão e um meio de vida. Uma nutricionista e uma contabilista que abraçaram o amor pela leitura, Estella Mânica Arend e Sueli Nascimento, tornaram-se guardiãs do conhecimento nos sebos. Com o distanciamento social imposto pela pandemia, esses locais acabaram sendo beneficiados, já que os períodos mais longos em casa instigaram muitas pessoas a adotarem ou retomarem o hábito da leitura.
No Sebo Livro Vital, a proprietária Estella Mânica Arend conta que os meses de férias costumam ter um bom movimento. “As pessoas estão liberadas de trabalho e de festas e estão lendo mais. Quem não vai à praia e não viaja volta a ler nesse período”, explica. Durante a pandemia, não foi necessário fechar, já que o espaço é amplo e costuma receber apenas um ou dois clientes por vez. No período, muitas pessoas descobriram o sebo através de pesquisas online, pelo Google, além de chegarem até lá através de indicações de amigos.
Uma das surpresas da empreendedora, que toca o estabelecimento há sete anos, foi a procura dos jovens pelos livros. “Quando criei o sebo, foi pensando nas pessoas da minha idade. Mas atualmente tenho muito mais clientes novos, adolescentes e jovens adultos, até 30 anos, e poucas pessoas da minha idade, com quase 70 anos.” A clientela tem buscado autores consagrados, como Dostoiévski, Tolstói, Rousseau, Platão e Freud. Os gêneros mais vendidos são os romances espíritas, além dos clássicos e dos infantojuvenis.
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O acervo tem mais de 12 mil exemplares, entre livros, discos, revistas em quadrinhos, CDs e DVDs. “Amo quando chega um lote muito antigo. Quanto mais antigos os livros, mais eu gosto deles. Gosto também quando vem um lote com coisas diferentes e interessantes, como almanaques antigos de 1970 e 1980, livros de fotografia e coisas diferenciadas”, frisa. Além das vendas presenciais, o Livro Vital possui site, por onde vende para todo o Brasil, além de outros países, como Alemanha, Espanha, Estados Unidos e Argentina.
Estella confessa não gostar das redes sociais, e se vale da ajuda da Nora para as contas no Instagram e no Facebook. Quanto aos negócios feitos no sebo, ela vende e troca livros, mas no momento não está comprando por falta de espaço. Todas as áreas do local estão cobertas por estantes lotadas. Já nas trocas, não aceita títulos dos quais já possui vários exemplares. Ela ainda fornece o serviço de encomenda, para quem busca livros que não possui.
Livro físico segue relevante como sempre foi
Antes de ser proprietária do sebo, Estella atuou na sua área de formação, nutrição, foi professora durante 15 anos e trabalhou ainda como florista por 23 anos. Quando fez a cidadania italiana, se desfez de seus livros e discos e se mudou para a Itália, mas não se adaptou. “Fui de mala e cuia, mas achei tudo muito diferente. Hoje, valorizo o meu país muito mais. Somos pessoas especiais, o povo brasileiro vive de uma forma feliz.” Quando retornou ao Brasil, estava acostumada com a rotina de trabalho e decidiu começar o sebo durante uma Feira do Livro, adquirindo um lote de obras e começando do zero, construindo o acervo através de trocas.
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Quanto ao futuro do seu negócio, ela acredita que o livro físico ainda vai durar um bom tempo, apesar do crescimento do formato digital. Lamenta que muitas pessoas ainda ignoram o valor de um livro. “Vai levar um tempão até não haver mais sebos e livrarias. As pessoas gostam do prazer de pegar, manusear o livro físico e organizar na estante.” O espaço repleto de obras se tornou ainda um atrativo visual, sendo utilizado para ensaios fotográficos temáticos de literatura. “Adoro meu sebo; é a paixão da minha vida. Gosto de conversar com as pessoas; aprendo muito, e talvez eu passe alguma coisa também.”
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Compra e venda de obras é o setor de Sueli há 28 anos
Na Galeria Green Center, no Centro, fica o empreendimento de Sueli Nascimento. O Sebum existe há 28 anos; destes, já são 24 no mesmo local, onde ela vende e troca livros com clientes não só de Santa Cruz, mas de Rio Pardo, Candelária e outros municípios do Vale do Rio Pardo. Ao longo da pandemia, o espaço esteve fechado por cerca de 40 dias, mas, após a reabertura, a proprietária notou que a procura pelos livros usados cresceu consideravelmente.
“Durante a pandemia, foi surpreendente o meu movimento. Até estão me faltando muitos livros, porque houve muita saída”, salienta. Os mais procurados pelos clientes foram os títulos espíritas, de autoajuda, gibis e romances de banca. O autor mais buscado no período foi Machado de Assis, além de Nicholas Sparks, John Green e Dan Brown. As coleções mais procuradas foram Harry Potter e O Senhor dos Anéis, mas Sueli conta que é difícil conseguir esses títulos. Apesar do espaço reduzido, o lugar está repleto de boas opções de leitura tanto para os leitores mais exigentes quanto àqueles que estão começando a se aventurar pela leitura.
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O acervo é composto por cerca de 2 mil itens, entre livros de gêneros diversos, revistas, discos de vinil, CDs, DVDs, material em outros idiomas, como inglês e alemão, revistas de artesanato, livros didáticos e da área do direito. Os quadrinhos são um dos materiais mais procurados, desde Turma da Mônica, Disney e Tex até os superheróis. “Quando iniciei, eu não sabia nada sobre os gibis. Fui aprendendo com os clientes que vinham me pedir. Agora já sou craque, tenho Homem-Aranha, Liga da Justiça e Homem de Ferro. Tex é um que sempre preciso ter; não tem idade, vende para adolescentes e até idosos”, conta.
Apesar de muitos clientes chegarem ao sebo através da internet, Sueli confessa não lidar muito bem com as redes, preferindo o contato presencial. Além de negociar no local, ela aceita reservas pelo telefone e recebe pelo WhatsApp imagens das obras a serem adquiridos. Além de venda e troca, ela compra apenas os títulos que têm grande saída, trabalhando também com o sistema de consignação, em que o cliente deixa o livro no local e recebe na ocasião da venda. Para quem tem pedidos especiais, costuma anotar o título e entrar em contato assim que consegue o exemplar encomendado.
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A proprietária, que trabalhou por muitos anos com contabilidade, trocou os números pelas letras quando abriu o Sebum. “Ler era o meu pecado desde os tempos do colégio. Pegava um atlas e colocava um romance ali dentro para ler escondido, e quando chegavam perto eu fechava, mas às vezes era pega. Eu gostava de ler e pegava castigo porque ao invés de estudar estava lendo um livro”, diz, aos risos. Ela ressalta que o espaço é sua paixão, mas admite que tem planos de encerrar as atividades no futuro próximo, e que isso pode ocorrer ainda em 2021.
“Chega uma hora na vida que a gente tem de optar. A ideia é vender o ponto ou fechar fazendo um liquida. Eu amo aqui a galeria, tenho muitos amigos, mas a possibilidade de fechar existe.” Ela trabalha sozinha no local, que tem o custo elevado do aluguel no Centro, e reclama que, apesar de ter uma clientela fiel, perdeu espaço nos últimos anos para as vendas online. No entanto, Sueli diz amar não só os livros, mas as conversas e a amizade com a clientela e a chance de ver as pessoas, além de se orgulhar de sempre saber o que recomendar para os leitores.
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Sebum
Fica na Rua Júlio de Castilhos, 495, na Sala 20 da Galeria Green Center. Contato pelo telefone (51) 3715 8281, pelo e-mail [email protected] ou pelo Instagram @sebum_scs.
Sebo Livro Vital
Fica na Rua Capitão Jorge Frantz, 48, em frente ao Cemitério Católico. Contato pelos fones (51) 3711 3440 ou (51) 99999 9230, pelo site www.livrovital.com.br, pela página no Facebook Sebo Livro Vital ou no Instagram @sebolivrovital.
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