Uma cidade, um campo, de longe são apenas uma cidade e um campo. Manchas de contornos vagos. No entanto, à medida que nos aproximamos, são casas, árvores, telhas, folhas, formigas, ao infinito. Tudo isso fica abrangido sob os nomes “cidade” e “campo”.
Essa é uma ideia presente no livro Pensamentos, do filósofo francês Blaise Pascal (1623-1662). Só temos uma visão nítida das coisas quando chegamos perto delas o suficiente. Se pararmos em frente a um prédio de apartamentos, vamos enxergar a fachada, mas não o que vive no interior: os diversos moradores, cada qual com sua história particular. Que pode ser surpreendente.
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Exatamente isso é o que mostra o documentário Edifício Master, de 2002. O cineasta Eduardo Coutinho levou sua equipe de filmagem ao Edifício Master, um prédio de 12 andares em Copacabana, no Rio. Durante sete dias, em meio a 276 apartamentos, eles entrevistaram 37 moradores para o filme.
A cada porta que se abre, o espectador tem a impressão de entrar em um mundo próprio. Estão lá, espalhados, uma poeta desempregada, um apaixonado e ciumento casal de idosos, uma prostituta, até mesmo um aposentado que jura ter conhecido Frank Sinatra quando jovem. E muito outros personagens, mais ou menos esquisitos, contando histórias verdadeiras ou não.
Quando o filme acaba, a sensação do espectador – e a intenção de Coutinho parece ser essa – é de que qualquer pessoa, por mais comum na aparência, poderia nos fascinar com o mistério da sua vida. E qualquer um de nós poderia também fazer o mesmo.
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No romance distópico Fahrenheit 451, de Ray Bradbury, um personagem explica qual é, para ele, a serventia da literatura: ela ajuda a enxergar “os poros no rosto da vida”. Também é o que Edifício Master faz, ao colocar em primeiro plano a individualidade pura, irredutível às tentativas de simplificar o humano. Classificar as pessoas por cor de pele, sexo, religião, preferência política ou ideológica, e reduzi-las ao mínimo como se nada mais houvesse para saber, descobrir: nada mais banal ou danoso.
O mundo fica menor e mais sufocante quando não prestamos atenção nas árvores da floresta, ou quando vemos apenas manchas sem rosto, sem poros, ou prédios com janelas sempre fechadas.
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(Publicado em 17 de setembro de 2021)
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