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Os passos da apuração do Ministério Público que geraram a multa de R$ 120 mil ao AbraCachaça

Estabelecimento que funciona em esquina na região central costuma lotar a calçada

Caso de grande repercussão em Santa Cruz do Sul, a multa de R$ 120 mil aplicada pelo Ministério Público (MP) ao AbraCachaça Bar e Distribuidora de Bebidas Ltda. é mais um ingrediente dentro de uma polêmica que se acentuou nas últimas semanas. A perturbação do sossego e a poluição sonora na região de bares no centro da cidade são motivos de reclamações de moradores há muitos anos e nunca se chegou a um denominador comum.

Também não é de hoje que a situação no entorno do estabelecimento, que fica na esquina das ruas Marechal Floriano e Sete de Setembro, vem sendo alvo de abordagens do MP. O caso é acompanhado desde setembro de 2022, quando dois moradores do Residencial São Lucas denunciaram a poluição sonora e a perturbação do sossego que estariam sendo causadas por uma banda que tocava na calçada do local.

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A partir disso, o promotor Érico Barin instaurou um procedimento e, em novembro daquele ano, notificou a empresa de que os níveis sonoros emitidos pelo AbraCachaça, em análise feita pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Saneamento e Sustentabilidade, ultrapassaram em 14,15 decibéis (dB) os limites estabelecidos pela lei municipal. Isso, segundo o MP, seria uma prova da ocorrência de poluição sonora. A Norma Brasileira Regulamentadora (NBR) 10.151 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) estabelece para área com predominância de atividades comerciais o limite de pressão sonora de 60 dB (período diurno) e 55 dB (período noturno).

Na oportunidade, o promotor ainda noticiou que havia instaurado inquérito civil com o intuito de investigar e fazer cessar a poluição sonora, a perturbação do sossego e a obstrução da calçada, pela colocação de banda.

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Em 2 de fevereiro do ano passado, foi assinado o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre o MP, representado pelo promotor Barin, e o sócio-proprietário do AbraCachaça, Norton Franca Peixoto. Entre as obrigações acordadas estava a instalação de projeto de isolamento acústico ou providência alternativa; não mais causar níveis de ruídos que superem os limites previstos em lei; não mais obstruir a calçada e pagar R$ 2 mil a título de indenização pela emissão de ruídos em desacordo com as legislações vigentes.

O projeto acústico

Ao longo do primeiro semestre de 2023, houve novas queixas de moradores nos arredores do estabelecimento, relatando que as situações de perturbação do sossego persistiam. Diante disso, o MP pediu outras diligências e ainda houve o atraso no pagamento de uma parcela de R$ 500,00 da multa de R$ 2 mil a ser quitada pelo AbraCachaça. O proprietário alegou queda na receita como justificativa para o não pagamento e pediu mais tempo. Porém, em despacho em 19 de julho, o promotor negou o aumento do prazo, alegando que o valor de R$ 500,00 da parcela não era expressivo, sobretudo em virtude do “amplo volume de clientes” que o estabelecimento recebia, considerando as imagens juntadas ao longo da investigação.

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“Além disso, não se infere postura proativa por parte do compromissário em resolver as outras cláusulas celebradas no TAC, tal como a contenção sonora, que foi objeto de questionamento por parte desta Promotoria no último despacho, sem retorno”, comentou Barin, no texto. Por fim, o promotor solicitou uma derradeira notificação ao proprietário, informando-o da não concessão de mais prazo para a quitação das verbas pactuadas, que deveriam ser regularizadas.

Barin é o responsável pela investigação | Foto: Alencar da Rosa/Banco de Imagens

No mesmo prazo, o proprietário também deveria responder aos questionamentos feitos e que, até o momento, estavam sendo ignorados, na visão do MP. Uma vez que não foi apresentado projeto de contenção acústica no prazo, foi solicitado que Norton indicasse qual medida alternativa seria providenciada para conter a poluição sonora exaustivamente relatada no inquérito civil.

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Ainda no despacho, o promotor pediu para ele esclarecer as atividades registradas em imagens no dia 2 de março de 2023, alegando se houve observância ao nível de decibéis permitido na legislação, e por que havia acontecido a obstrução da calçada. No dia 3 de agosto, o empresário respondeu via e-mail ao promotor. Ele afirmou que não havia necessidade de realizar o projeto de prevenção acústica, tendo em vista que não possui música no ambiente interno do bar. E sobre as imagens, na data era comemorado o aniversário do bar, tendo sido observadas questões de volume e espaço entre as calçadas.

Medição de volume

Por solicitação do Ministério Público, em 11 de agosto de 2023 a Patrulha Ambiental da Brigada Militar (Patram) realizou nova medição de volume nas imediações do AbraCachaça, e constatou 66,16 dB, valor acima do nível permitido pela legislação. Vinte dias depois, em novo despacho, o promotor Barin alegou que a medida em questão comprovava a poluição sonora, o que quebrava uma das cláusulas do TAC firmado em fevereiro e gerava uma multa de R$ 20 mil.

Uma equipe da Patram realizou medição do nível sonoro em 11 de agosto de 2023, nas imediações do estabelecimento | Foto: Patram

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Em 26 de setembro, o empresário respondeu ao despacho, dizendo que não concordava com a multa; que a medição realizada podia refletir barulhos da rua e que também contemplava outros bares próximos e não apenas o AbraCachaça. O MP reconheceu que durante um período, de 14 de agosto a 26 de outubro, não havia ocorrido mais reclamações sobre eventuais perturbações do sossego e poluição sonora.

Em 18 de janeiro deste ano, o promotor Barin afirmou que, alternativamente à obrigação de elaborar e executar projeto de contenção acústica, o bar poderia deixar de fazê-lo; mas, optando por isso, assumiria a obrigação alternativa de pagar o valor de R$ 20 mil por ocorrência, caso a medição de emissão de ruídos feita pelo Ministério Público ou Município detectasse valores de decibéis acima dos níveis permitidos. Além disso, o dono do estabelecimento foi alertado de que eventual nova reclamação sonora ensejaria a execução da multa.

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Denúncia coletiva dos vizinhos

Dois meses após o último despacho, o advogado Vinicius Ahlert Zart, do escritório Zart, Dutra e Borowsky Advogados Associados, protocolou no MP uma denúncia coletiva, solicitando a adoção de providências contra o AbraCachaça. O defensor atua como representante das empresas Agridoce, Bar Central, Charrua Hotel, Condomínio Edifício Bosques de Viena, Dovino, Nômada, Pastello e Residencial São Lucas.

No documento de 12 páginas, assinado em 18 de março deste ano, o advogado aponta que a permissão da continuidade das atividades do bar da forma que vem ocorrendo estaria tornando “inviável a saúde dos moradores do entorno e comprometendo as demais empresas vizinhas”. Conforme Zart, as medidas adotadas até então demonstravam que questões “mais amistosas e paliativas não foram suficientes à solução do imbróglio”.

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Por fim, o advogado juntou uma série de imagens em anexo para corroborar a denúncia enviada ao Ministério Público. “No último final de semana, se não bastasse a gritaria e algazarra com abuso de instrumentos sonoros, ocorreu uma confusão generalizada envolvendo frequentadores do estabelecimento, a qual somente foi controlada com o embate físico da Guarda Municipal”, disse o defensor. Ele referiu-se a uma confusão que teria acontecido em março, com vídeos a respeito circulando em grupos de WhatsApp.

À Gazeta do Sul, o advogado confirmou a denúncia e detalhou alguns pontos. “Queremos que se chegue a um denominador comum. O que está acontecendo é que as pessoas não conseguem dormir. Não cabe a premissa de ‘os incomodados que se retirem’. As pessoas escolhem a moradia muito antes de ter uma balada ali. Há idosos, por exemplo, morando uma vida inteira no São Lucas. Não me parece razoável esse discurso de que as pessoas têm que se mudar”, comentou.

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Segundo Zart, não foi uma questão isolada com o AbraCachaça ao longo dos anos. Houve situações com outros estabelecimentos, mas estes, segundo ele, se adequaram. “Nesse bar, no entanto, foram feitos eventos esporádicos no curso do ano, mas agora, a partir do final de 2023, a situação passou a acontecer de quinta a domingo e se instaurou um caos. Nos incomoda o discurso do ‘queremos muitos direitos’, mas sem ver tudo que viola.”

Para o advogado, permitir que a situação exposta continue no local, considerado o coração da cidade, mostra que há falhas na fiscalização. “Mesmo com a legislação, ao longo de um ano, não foi suficiente para inibir a prática abusiva de infração da lei. O motivo de termos outros estabelecimentos de festas no coração da cidade organizados de forma tão consolidada há tanto tempo é porque eles querem preservar o ponto, mas respeitando o entorno”, disse Zart.

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“Ainda, é muito injusto permitir que uma distribuidora, com a carga tributária e a operação que tem, explore a atividade de entretenimento da forma que está explorando como festa, quando os outros lugares estão completamente adequados, com carga tributária, de segurança e PPCI muito mais elevados, para explorar a mesma atividade. Não tem equilíbrio entre pares”, complementou.

Turistas estrangeiros fugiram de “arrastão”

Porta-voz de muitos hóspedes que reclamaram do barulho no entorno do AbraCachaça, a gerente do Charrua Hotel, Cristiane Holanda, afirmou ter registro de brigas ocorridas nas imediações do ponto. “Eu nem sei mais quantos boletins de ocorrência eu fiz. Já tivemos várias solicitações de devolução da diária de hóspedes por conta de não conseguirem descansar. Há gritarias, música alta até as 4 horas da manhã. É assim que está aqui.”

Uma dessas situações recentes, no entanto, chamou ainda mais a atenção. Na madrugada de 17 de março, um domingo, hóspedes do hotel que estavam na cidade a trabalho aproveitavam a folga em bares anexos ao prédio do Charrua, quando levaram um susto. Dois eram paulistas e estavam na cidade, pois iriam participar da Expoagro naquela semana, e o outro grupo, de três homens, era de moradores da Alemanha, Japão e Noruega. Estavam em Santa Cruz a trabalho nas fumageiras.

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“Essas pessoas estavam nos bares petiscando e saíram correndo depois de uma briga, porque acharam que era uma espécie de arrastão, e se trancaram no banheiro com medo. Imagina o que se passa na cabeça desses moradores de fora, achando que estão em uma cidade tranquila, com bons locais para curtirem a noite. Aí de uma hora para outra ocorrem brigas feias e gente correndo de polícia”, comentou Cristiane.

No final do mês passado, a prefeita Helena Hermany protocolou na Câmara de Vereadores um projeto de lei que proíbe o uso de caixas de som, alto-falantes, instrumentos musicais ou quaisquer outros equipamentos de amplificação sonora nas praças, parques, pontos turísticos e vias públicas de Santa Cruz, no período compreendido entre 22 horas e 6 horas, com algumas exceções. No entanto, o projeto foi retirado e uma reunião para debater mais o caso deve ser marcada pela Câmara.

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Para proprietário, combinações se perderam após Operação Controle

O sócio-proprietário do AbraCachaça Bar e Distribuidora, Norton Franca Peixoto, confirmou à Gazeta do Sul que irá entrar com um recurso no MP para evitar a multa de R$ 120 mil. Entre outros pontos, ele entende que a denúncia mais recente tem questões incoerentes, dentre elas que outros bares da região central estavam tocando música ao vivo no mesmo período investigado.

Em entrevista, ele revelou que após uma série de três reuniões entre donos de estabelecimentos e Prefeitura, ficou definido que até 23 horas todos poderiam explorar música na calçada sem aviso prévio; que o banheiro da praça ficaria aberto; e que haveria maior presença da segurança no entorno dos bares. Porém, segundo Norton, a deflagração da Operação Controle pelo MP em 14 de novembro do ano passado, quando agentes importantes da política santa-cruzense foram afastados – entre eles o secretário Valmir José dos Reis –, gerou uma certa desorientação nas ações combinadas.

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Norton Franco administra o AbraCachaça | Foto: Reprodução/Instagram

“Me surpreendeu porque parte desses estabelecimentos que são denunciantes do AbraCachaça ao MP participaram dos alinhamentos com a Prefeitura, na época do coronel Reis. E de fato funcionou, de outubro a novembro. Todo mundo respeitou, mas daí veio a Operação Controle, saiu o secretário e a Guarda Municipal sumiu, assim como os combinados, e todos os bares começaram a fazer horários diferentes para bandas ao vivo”, comentou Norton.

O proprietário salientou a necessidade de as forças de segurança estarem mais presentes nas imediações da praça. “Santa Cruz cresceu. Temos um movimento de pessoas bem maior na noite e no fim de semana. E para isso o poder público precisa dar respaldo. A segurança pública precisa estar na rua de forma preventiva e não só reativa”, disse ele.

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Em virtude disso, o proprietário do AbraCachaça protocolou um ofício na Secretaria Municipal de Segurança pedindo o retorno dos efetivos da Guarda Municipal ao entorno da praça. Segundo ele, essa demanda ainda não foi respondida. Sobre a multa de R$ 120 mil aplicada pelo MP, confirmada na terça-feira pelo promotor Érico Barin, Norton explicou que refere-se a seis eventos com música ao vivo realizados por ele, em que cada um gerou uma multa de R$ 20 mil.

Para o empresário, falta diálogo entre Prefeitura, Ministério Público e donos de bares. Até uma resolução definitiva, ele alertou que seguirá tentando com a Prefeitura uma autorização dentro de um horário determinado para poder colocar música ao vivo. “Enquanto isso, em respeito à investigação do Ministério Público, eu vou ficar com a música suspensa.”

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