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Os olhos de dona Hilda

Dias atrás tive a feliz oportunidade de acompanhar uma ação social promovida para os residentes da Associação de Auxílio aos Necessitados (Asan). Sempre que visito as dependências da instituição, volto pensativa. Mas desta vez, o baque foi mais forte. A pauta era um projeto desenvolvido pelos voluntários Caçadores de Sorrisos, em que a intenção era promover um bailinho aos idosos residentes. O evento foi um mimo. Vovôs e vovós que, muitas vezes, nem a visita de familiares recebem, esqueceram as dores do corpo e as aflições da alma e fizeram do refeitório uma verdadeira pista de dança. Com direito a confete, purpurina, samba e marchinha.

Depois de me divertir observando eles dançarem mesmo com todas as suas limitações físicas, deparei-me com uma senhora que não quis levantar. Suponho que tenha achado difícil se movimentar e ainda conciliar o andador, ferramenta que, hoje, facilita suas caminhadas pelos corredores da entidade. Ela chamou o fotógrafo Lula Helfer e pediu uma foto. Prontamente o retrato foi tirado. Depois disso, resolvi falar com ela. Afinal, o que estaria achando de toda aquela bagunça saudável? Ela fez um aceno positivo com a cabeça e logo me disse: “A gente tá no mundo para olhar”.

Voltei para a redação e não conseguia pensar em mais ninguém, a não ser nela. Dona Hilda, aquele sábado, poderia estar chateada, pois não conseguiu participar da roda de dança. Mas encontrou uma forma de solucionar sua limitação. Já que as pernas não a ajudam como antigamente, buscou nos olhos um conforto. Hilda se divertiu com a diversão dos outros. Deu risada enquanto a colega Gerci, mesmo corcundinha, dava voltas pelo salão ao som das clássicas carnavalescas. Observou o seu Sérgio, recém-recuperado de um AVC, proseando com a jovem voluntária que o acompanhava na dança. Assustou-se com a ousadia de Noeli Chaves, que intercalava passos e pulos em uma fração de segundos. Haja saúde.

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Ao refletir sobre o que dona Hilda havia enxergado naquela tarde, tentei imaginar como fora a sua vida. O que enxergava antes de se tornar uma interna da Asan e o que hoje, ao respirar aquele ambiente de segunda a segunda, ela consegue ver. O que pensa dona Hilda sobre a vida? Ou melhor, o que espera dela aos 97 anos? Quero imaginar que a solidão não a perturbe e as lembranças não a façam sentir falta do mundo que ficou do portão para fora. Desejo que dona Hilda tenha amigas, confesse seus segredos, sinta alegria nos pequenos acontecimentos do dia a dia. Espero que os poucos anos que ainda lhe restam continuem fazendo sentido. E sabe por quê? Porque com apenas uma frase, ela me ensinou que os olhos não nos mostram apenas o que está posto, eles nos fazem enxergar a vida. E como é bom enxergá-la, senti-la. Obrigada, dona Hilda.

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