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RICARDO DÜREN

Os mistérios do Caso Kliemann

Os mistérios sobre o Caso Kliemann me perseguem e intrigam há mais de uma década. Mais precisamente, desde 2008. Naquela ocasião, fui desafiado, aqui na Gazeta do Sul, a produzir uma série de reportagens, juntamente com o saudoso colega Guido Kuhn, por ocasião dos 45 anos do assassinato do deputado estadual Euclydes Kliemann. Inicialmente programada para sair em seis edições, a série ocupou páginas e mais páginas do jornal por mais de duas semanas, por conta do volume de informações que coletamos em pesquisas e entrevistas – inclusive, com as três filhas do parlamentar assassinado, que gentilmente nos receberam. As matérias nos renderam, naquele ano, a segunda colocação no Prêmio ARI, a mais cobiçada honraria do jornalismo gaúcho.

O Caso Kliemann é uma história trágica e surreal, que iniciou em uma tarde chuvosa de 20 de junho de 1962, quando Euclydes, ao chegar em casa, encontrou o cadáver da esposa. Margit Mailaender Kliemann havia sido brutalmente assassinada – fora espancada e jogada do alto da imensa escada do casarão habitado pela família Kliemann, na Rua Barão de Santo Ângelo, área nobre de Porto Alegre. Rebentos de famílias tradicionais de Santa Cruz do Sul, Euclydes e Margit dividiam o tempo entre a cidade natal, berço eleitoral do deputado, e a Capital gaúcha, onde ele era presença constante em acirrados debates na tribuna da Assembleia Legislativa.

Não tardou até que Euclydes passasse à condição de suspeito número 1 da polícia. Para grande parcela da imprensa porto-alegrense, em uma época na qual o jornalismo não se pautava pelos rigores éticos de hoje, aquela notícia foi uma festa. E o resultado de tudo isso foi o assassinato do próprio Euclydes – um crime transmitido ao vivo, ocorrido em 31 de agosto de 1963, no estúdio da Rádio Santa Cruz. Milhares de santa-cruzenses, espalhados pela cidade ou cercados pelas lavouras de tabaco, no interior, escutaram o tiro que matou Euclydes ecoar em seus aparelhos de rádio.

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Minutos antes do crime, Euclydes havia ocupado o microfone da emissora ao longo de uma hora. Falou de uma verba de Cr$ 50 milhões que obteve para a pavimentação da então estrada do Arroio Grande – não por acaso, a atual Avenida Euclydes Kliemann –, analisou o quadro político de Santa Cruz e alfinetou rivais. Mas logo depois dele, foi a vez do vereador Floriano Peixoto Karan Menezes, o Marechal, adversário político de Kliemann, ocupar o estúdio. Teve início uma bateria de acusações contra Euclydes, que terminou com Marechal relembrando aos ouvintes que o deputado era “suspeito no caso havido com sua esposa”.

Acontece que Euclydes não era dado a levar desaforos para casa. A afirmação de Marechal foi a gota-d’água, após mais de um ano de suspeitas e acusações estampadas nas manchetes dos jornais porto-alegrenses. Kliemann, que permanecera nas dependências da rádio, invadiu o estúdio, com a mão em sinal de “pare”, e protestou: “Essa não!” E Marechal, que nunca antes manejara uma arma, disparou um tiro certeiro no coração do adversário político.

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Nunca foram bem esclarecidas as razões pelas quais o vereador levou, escondido no bolso do casaco, o revólver emprestado por um correligionário. Segundo aliados de Marechal, era justamente para se defender de Euclydes, que tinha fama de cabeça quente. Mas para aliados de Kliemann, fora tudo uma conspiração arquitetada para dar fim, de maneira funestra, a uma proeminente carreira política. O fato é que, tempos depois de morrer protestando por sua inocência, Kliemann foi absolvido pela própria polícia. E o verdadeiro autor do assassinato de Margit nunca foi descoberto. Pelo menos, não oficialmente.

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Esses mistérios voltaram à tona – pelo menos, para mim – quando decidi analisar os jornais daquela época e o livro Caso Kliemann – A história de uma tragédia (Edunisc/Literaris, 2010), do também saudoso Celito de Grandi, para minha tese de doutorado junto ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Unisc. Defendi a tese nessa quinta-feira (aliás, para quem interessar possa, cumpre citar que fui aprovado). O objetivo da pesquisa, claro, não foi desvendar esses mistérios, não tratou-se de um inquérito. O que busquei estudar foi o imaginário que emerge dessas narrativas midiáticas. O resultado foi uma calhamaço de 336 páginas, que deu um cansaço na banca e apontou, dentre outras questões, para a influência da mídia na formação de um imaginário coletivo.

Mas os segredos sobre a morte de Margit perduram, ainda que Celito tenha deixado, nas entrelinhas de seu livro, pistas de um provável suspeito. E possivelmente nunca saberemos se a morte de Euclydes foi, de fato, fruto de uma conspiração. São mistérios que se tornam ainda mais nebulosos por conta do aparecimento, nas investigações policiais e nas notícias da época, de personagens estranhos e pitorescos. Dentre esses, destaca-se uma certa Dama de Vermelho, supostamente vista deixando a cena do crime naquela tarde de 1962, mas que nunca foi encontrada. E uma tal Madame Ninon, médium e cartomante que jurava ser conselheira de Margit.

É um assunto que dá pano para a manga e, talvez, eu o retome nas próximas colunas. Enquanto isso, convido o leitor a dar uma espiada no meu blog para conferir outras publicações minhas.
O endereço é livrosdoricardo.wordpress.com.

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