Provavelmente, muitos leitores conhecem algum mentiroso. Não me refiro aos mentirosos do mal, mas àqueles que atocham, que contam lorotas e o fazem de tal forma, que até eles acreditam. E não têm nenhum constrangimento em nos olhar bem dentro dos olhos, fazendo com que suas histórias nos pareçam absolutamente verdadeiras. Como já conhecemos sua trajetória, sabemos bem que estão atochando, palavra a que os dicionários que consultei não dão como sinônimo o verbo mentir. Mas, sabemos o que significa.
Visito dois nomes bastante conhecidos na literatura, apesar de, por vezes, esquecidos: João Simões Lopes Neto e Rudolph Erich Raspe. No dia da mentira, presto minha homenagem a eles, porque ajudam a suavizar as agruras da vida.
Simões Lopes Neto nasceu em Pelotas em 1865, falecendo na mesma cidade em 1916. Sua grande contribuição à literatura brasileira reside nos Contos gauchescos, narrativas intensas que não perdem atualidade. Contos como “Contrabandista”, “No manantial”, “Trezentas onças” merecem retomadas leituras, pois tocam o coração.
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Quero, porém, enveredar por obra um pouco menor, Casos do Romualdo, conjunto de histórias cômicas, que têm sua raiz no prazer do gaúcho em contar causos. Romualdo narra histórias mirabolantes, fantasiosas, exageradas, quase todas desembocando no riso de seus ouvintes, de seus leitores. Vejamos o causo intitulado “Três cobras”.
Durante a Guerra do Paraguai, numa noite gelada, a tropa acampou. Fogueira acesa, os soldados se deitaram ao redor. Eis que uma cobra enorme se aprochega e se enrola em Romualdo. Uma catinga entrava em seu nariz. Qualquer movimento seria morte certa. Para se desvencilhar, ele puxa um fumo crioulo, e fuma, fuma, até que o bicho se desenrosca e vai embora.
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Alguns dias depois, outro acampamento da tropa. Abatem algumas novilhas gordas e cada um providencia seu espeto. Romualdo, tateando na escuridão, encontra um espeto pronto, inclusive já com ponta. Espetou sua carne e, pouco depois, um colega avisou: Romualdo, teu churrasco está indo embora. O frio intenso congelara a cobra, assemelhando-a a um espeto, que, ao calor, aqueceu o corpo e fugiu com o assado do infeliz. É igualmente engraçada a terceira história.
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Outro grande contador de lorotas é Rudolph Karl Raspe, bibliotecário, escritor e cientista alemão (1736 – 1794). Ouvindo relatos exagerados do barão Karl Friedrich Hieronymus von Münchhausen, reuniu as histórias e as publicou no cômico As aventuras do barão de Münchhausen, que veio a público em 1785. O barão era tenente e capitão de cavalaria e, voltando de suas incursões, relatava com exagero hilariante as aventuras de que teria participado.
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Conta, por exemplo, que, numa noite de imenso frio, chegou a Moscou. Noite escura, procurou um lugar para amarrar seu cavalo. Achou um toco, amarrou o animal e foi dormir. De manhã, não encontrou seu companheiro. Olhando para cima, viu que estava pendurado no alto da torre da igreja. A quantidade de gelo era tanta, que cobrira o templo, ficando à vista apenas o galo da ponta da torre. Ali atara seu cavalo. Com o calor do sol, veio o degelo e, claro, a fantasiosa história.
Todas as histórias desse gênero são inverossímeis, mas seus narradores sempre garantem que são verdadeiras. As muitas testemunhas, dizem eles, infelizmente já morreram e não podem confirmar o que estão contando.
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