Tentar se colocar no lugar da vítima para entender a dinâmica de um crime brutal, com o olhar de policial experiente, mas sobretudo de uma mulher, em uma cena apavorante de feminicídio em meio à mata enlameada do Lago Dourado. Era nesse cenário que se encontrava a delegada Lisandra de Castro de Carvalho na manhã de 13 de agosto de 2018. Horas após receber a ocorrência de desaparecimento de Francine Rocha Ribeiro, de 24 anos, a responsável pela Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) na época estava frente ao cadáver da jovem, cruelmente assassinada.
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Os sinais da violência empregada contra Francine chamavam a atenção. Estuprada, espancada e estrangulada, ela não teve nenhuma chance diante de seu agressor. Mas quem teria sido capaz de cometer um crime tão singular como esse? A partir daquele momento, a delegada precisou agir para responder a essa pergunta a uma comunidade que ansiava por respostas. E ela não perdeu tempo.
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“Os primeiros passos que tivemos, ainda na mata, coletando vestígios e provas para o caso, foram decisivos para o desfecho dias depois”, disse ela. Lisandra, hoje titular da Delegacia de Polícia (DP) de Vera Cruz, concedeu entrevista para a terceira reportagem da série Caso Francine: O Júri, da Gazeta do Sul. Ela relembrou os passos da investigação que culminou na identificação do acusado Jair Menezes Rosa, 62 anos, que sentará no banco dos réus no dia 18 de novembro, para responder pelo crime no Tribunal do Júri.
“Era uma cena inicial chocante, muito triste. Uma jovem ter sido violentada daquela maneira, machucada, com evidentes sinais de abuso pela forma como a roupa estava desalinhada. A gente se colocava no lugar e tentava identificar o que poderia ter acontecido”, afirmou. Mais do que apurar o crime, a delegada, junto de sua equipe da Deam, precisava trabalhar sob a pressão da comunidade. Na ânsia por uma resposta, pessoas apontavam culpados que, posteriormente, foram descartados, a começar pelo noivo de Francine.
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“Esse era um suspeito óbvio. Naquela primeira hora, logo após o crime, não tínhamos descartado ninguém. A partir da saída do local, solicitamos a perícia – que depois seria fundamental – para verificar se havia vestígio de violência sexual e material passível de ser coletado para, no futuro, ser confrontado com material biológico. Mas também passamos a identificar a movimentação do noivo, que tinha sido a última pessoa a vê-la e a deixou no local.”
O homem foi ouvido, explicou a rotina e detalhou que havia ido até o caixa eletrônico do Posto 1 sacar dinheiro. “Fomos conferir e verificamos que foi lá naquela tarde, no mesmo momento em que ela estava caminhando, o que tornava impossível ele estar naquele local do lago sem ser filmado, no ponto onde aconteceu. Por isso e outros fatores que apuramos de seu passo a passo, descartamos que ele tivesse algo a ver com a morte da Francine”, explicou Lisandra.
Com a missão de identificar um autor fora do contexto das relações próximas de Francine, a Deam partiu para a possibilidade de um homem, com antecedentes policiais por estupro e morador das imediações do Lago Dourado, ter sido o responsável. “Era outra hipótese. Ouvimos esse segundo suspeito e ele nos disse que estava em Torres, que não se encontrava no local na data. Conseguimos provas da sua estada no Litoral, então o descartamos também”, disse Lisandra. Ao eliminar as duas possibilidades, a investigação parou momentaneamente.
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Foi quando dois caçadores de ratão-do-banhado, que moravam perto do Lago Dourado e instalavam armadilhas para pegar animais na área de mata, foram até a delegacia contar o que viram. “Eles foram fundamentais no caso. Disseram que naquela tarde viram o Jair, que era vizinho deles, muito próximo do ponto da pista onde Francine teria desaparecido, e que ele aparentava estar nervoso. Chamamos o Jair para prestar depoimento. Ele disse que esteve na mata, mas não tinha cometido o crime. Perguntamos se poderia fornecer material biológico, para confrontar, e ele aceitou.”
Policial civil há 21 anos, há 18 trabalhando na Deam, o hoje comissário Orlando Brito de Campos Júnior relembrou detalhes da investigação. Ele foi um dos responsáveis por carregar o homem preso para ser apresentado na delegacia. “Este é um dos casos mais emblemáticos em que atuei. As primeiras impressões, já pela nossa experiência, denotavam que houve um crime grave contra a vítima. E foi muito importante a presença da delegada, dos agentes e dos peritos no local. Ali foi apurada grande parte dos vestígios e o que depois foi transformado em prova”, comentou.
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“Justamente em razão da observação no local, encontramos no corpo material biológico que depois serviu como prova cabal da autoria do crime. Também deu um certo rumo à investigação localizarmos um animal preso a uma armadilha, deixada ali por caçadores amadores, e se levantou a hipótese de que essas pessoas frequentavam aquele local seguidamente”, disse Orlando. “Essa possibilidade surtiu efeito, pois dois desses caçadores referiram que passaram pelo autor no dia do fato, perto do local do crime, e ele não respondeu a eles”, complementou o comissário.
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A equipe da Deam enviou com um pedido de urgência o material para o laboratório de genética forense em Porto Alegre. Ainda naquela semana, houve uma outra necessidade: proteger um inocente. “Foram disseminados boatos sobre outro indivíduo, que poderia ter relação com ela, no meio da investigação. Tivemos que proteger esse homem de pessoas que queriam linchá-lo e fazer justiça com as próprias mãos, sendo que o rapaz nada tinha a ver com o caso”, explicou.
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Na quarta-feira pós-crime, a delegada recebeu a confirmação de que os vestígios na área vaginal da vítima pertenciam a Jair Menezes Rosa. “Com isso, tínhamos a certeza de autoria com prova técnica, irrefutável e incontestável, e que casava com o conjunto probatório, de que ele estava lá naquela área.
Diante disso, ele alegou ter sido coagido por um homem que encontrou na trilha, e que o obrigou a manter relação sexual com a vítima”, detalhou Lisandra. Na quinta-feira, 23 de agosto de 2018, Jair Menezes Rosa foi preso. Na sexta, pela manhã, foi apresentado pela Polícia Civil em concorrida coletiva de imprensa.
Em 18 anos de trabalho na Polícia Civil do Rio Grande do Sul, Lisandra de Castro de Carvalho tem uma série de casos que a colocaram em evidência em razão da complexidade dos fatos. No entanto, ela admite que essa investigação em especial faz parte de sua história. “Esse é um dos casos mais emblemáticos da minha vida como policial civil e muita gente o associa a mim”, disse
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Além de um elogio aos agentes que atuaram com ela na investigação, faz questão de lembrar do importante trabalho do Instituto-Geral de Perícias (IGP). “A rapidez com que agiram e o comprometimento foram fundamentais para nos auxiliar nesse caso. Também ressalto o trabalho do médico legista na coleta minuciosa de material no cadáver, o que nos possibilitou identificar os vestígios biológicos no corpo da Francine. Isso foi de extrema importância.”
Por fim, Lisandra falou da expectativa em relação ao júri. “Acredito na condenação. Não há resultado adverso a se esperar, por toda a prova produzida. Que sejam consideradas todas as qualificadoras e todo o enquadramento da denúncia. E que se faça justiça, pela gravidade do fato. Nada vai trazer a vida dela de volta, mas esperamos que a justiça seja feita no seu máximo grau.”
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