Era início da tarde de 17 de novembro de 2017. O silêncio no entorno do Presídio Regional de Santa Cruz do Sul parecia apontar que algo diferente estava para acontecer. Pontualmente às 13 horas, um detento que estava na cela 14B, localizada no segundo pavimento da casa prisional, serrou uma grade. Por ali, fazendo o mínimo de barulho possível, ele e outros presos usaram uma corda improvisada com lençóis e roupas, para descer. No chão, utilizaram um alicate para cortar uma tela e conseguir escapar, já que, no lado sul do terreno, ainda faltava concluir as obras do muro.
E dali, 26 detentos ganharam o mato abaixo de tiroteio, após um agente penitenciário que estava na frente do presídio notar a movimentação inusitada. Alguns moradores de residências vizinhas ouviram mais de 30 disparos. Iniciava ali a força-tarefa da polícia para recapturar os foragidos da maior fuga de presos da história do Vale do Rio Pardo. A Gazeta do Sul detalha a seguir, na 14ª reportagem da série Casos do Arquivo, os bastidores da ocorrência histórica, que marcou a crônica policial local.
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Diante dos disparos ocorridos durante a fuga em massa, uma vidraça do prédio anexo ao presídio estourou e uma mulher ficou ferida na extinta ala feminina. Muitos dos presos fugiram a pé por vias do Bairro Faxinal Menino Deus, mas alguns, assim que escaparam, se direcionaram a um ponto específico na rua lateral da casa prisional, onde um automóvel HB20 prata os aguardava. Era o indício de que havia muito mais por trás da fuga além do desejo de liberdade.
O carro foi localizado ainda naquela tarde, abandonado no Bairro Santa Vitória. Policial penal, Cássio Roberto Bandeira, de 35 anos, estava de folga naquele dia e, tão logo soube da ocorrência, foi ao presídio para auxiliar na busca por foragidos e contenção dos detentos que permaneceram presos. Ele foi entrevistado em junho do ano passado no podcast Papo de Polícia e contou alguns bastidores da ocorrência.
“Poderiam ter fugido bem mais, mas os colegas evitaram que isso acontecesse. Descobrimos que o plano deles era fugir antes da construção do novo muro, e que alguns detentos ficaram no presídio para nos atrapalhar, pois fugiram muitos presos considerados grandes, com poder aquisitivo do tráfico para comprar outros”, comentou.
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Enquanto as buscas eram realizadas nas ruas, dentro do presídio houve um pente-fino nas galerias. Agentes do Grupo de Ações Especiais da Susepe (Gaes) auxiliaram na recontagem dos presos e na revista das celas. Eles apreenderam a serra e o alicate usados na fuga, além de celulares e drogas. Bandeira relembrou ainda o dia anterior, quando estava de plantão.
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“Fomos verificar uma abertura em uma cerca, por onde estava saindo o cachorro do presídio. Normalmente os presos ficam falando, fazendo barulho quando estamos por ali. Mas naquele dia cheguei a comentar com o colega que estava tudo muito quieto, que estavam tramando algo. A cadeia a gente mede pelo silêncio”, salientou Bandeira, que na época estava há três anos e dois meses atuando como policial penal.
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“Resposta foi rápida”, afirma sargento que atuou nas buscas
Atuando há 23 anos como policial militar, o sargento Severiano Vargas do Nascimento estava no batalhão quando recebeu o comunicado de que detentos haviam escapado do presídio. “Nos foi informado para deslocar com o maior efetivo possível para as imediações do presídio, tendo em vista que teria ocorrido uma fuga de grandes proporções. E a nossa resposta foi rápida”, disse o brigadiano, hoje com 43 anos e considerado um dos policiais mais experientes da região.
“Fui com mais alguns colegas até o local, ajudei nas buscas e, graças a um trabalho qualificado, dez desses foragidos foram presos nesse mesmo dia”, salientou Severiano. Em fato inusitado presenciado por ele, os recapturados precisaram ser levados dentro de um micro-ônibus da Brigada Militar (BM) até o hospital – para realizar exames de lesões – e à delegacia, sendo posteriormente conduzidos à Penitenciária Estadual de Venâncio Aires (Peva).
O Batalhão de Operações Especiais (BOE) de Cachoeira do Sul e o Pelotão de Operações Especiais (POE) de Rio Pardo foram acionados para auxiliar nas buscas aos foragidos.
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“Foi uma ação importante naquele momento, pois de forma ágil conseguimos efetivar essas prisões, que seguiram com o passar do tempo, sendo capturados todos os 26”, enfatizou o sargento. Exatamente dez meses depois, em 17 de setembro, o último foragido foi preso.
Captura no Paraguai
Desde que houve a ocorrência, as forças policiais sabiam que havia um plano por trás da fuga em massa, e não era apenas um fato isolado de ocasião. Em 25 de janeiro de 2018, um episódio trouxe à tona as investigações. Um dos foragidos, Deivid Andriel de Mello, o Dedê, filho do ex-traficante Sapo, na época com 25 anos, foi preso durante a força-tarefa de um esquadrão de elite da Secretaria Nacional Antidrogas (Senad) do Paraguai.
Ele estava em um apartamento em Ciudad del Este, que faz fronteira com Foz do Iguaçu. Dias após a fuga, a Delegacia da Polícia Federal (PF) de Santa Cruz do Sul foi procurada por pessoas que tinham informações. “Nós recebemos denúncias anônimas de que ele teria fugido para o Paraguai”, relatou na época o chefe da PF em Santa Cruz, delegado Mauro Lima Silveira.
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A partir disso, os policiais entraram em contato com a sede da PF na fronteira com Ciudad del Este, que comunicou às autoridades paraguaias a fuga de Dedê. Segundo a Senad, o filho de Sapo usava no país vizinho o nome falso de Fábio André de Deus.
Ele foi entregue no mesmo dia às autoridades brasileiras na aduana da Ponte da Amizade. Um dia depois, a polícia do país que faz fronteira com o Brasil divulgou um vídeo que mostra Deivid com dois fuzis.
As imagens estavam em um telefone celular apreendido na ação. É possível identificar que Dedê diz ao comparsa para que apague o vídeo após a gravação. No entanto, o material ficou no celular e serviu de subsídio para as investigações. Na época da prisão, a Senad divulgou, em nota, que ele, junto de um comparsa, teria ido ao Paraguai para comprar armas que seriam usadas para resgatar Chapolin, apontado como um dos líderes da facção Os Manos. Esse fato nunca foi comprovado.
Suporte para a fuga
Após a captura, a Polícia Civil divulgou que a fuga em massa ocorrida no dia 17 de novembro de 2017 fora planejada especialmente para Dedê. “Todo o suporte logístico para ele escapar para o Paraguai já estava organizado”, explicou na época o delegado regional Luciano Menezes. Segundo ele, foragido chegou ao país vizinho na semana após a fuga.
Em imagens, o fugitivo aparecia em um shopping com amigos e posando para fotos, que teriam sido feitas assim que ele chegou ao Paraguai. Quando escapou do presídio, Deivid cumpria pena há cinco meses. Havia sido condenado em 31 de maio de 2017, no Fórum de Santa Cruz, a 43 anos e quatro meses por um homicídio e duas tentativas de assassinato.
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Os crimes cometidos por ele aconteceram na madrugada de 27 de março de 2016, em um baile em um salão paroquial no centro de Passo do Sobrado. Na ocasião, o produtor de eventos Joangelo Martin, de 33 anos, foi morto. Ele era o organizador do evento e teria tentado conter a briga, quando foi atingido pelos disparos e morreu.
Por esse homicídio qualificado, Deivid pegou 18 anos e quatro meses de prisão. A pena foi ampliada em 12 anos pela tentativa de homicídio contra Gustavo Martins Schwuchow e mais 13 anos pela tentativa contra Guilherme Martins dos Santos.
Esses dois estavam no mesmo evento, em Passo do Sobrado, onde aconteceu o fato analisado no Tribunal do Júri. Atualmente, Dedê cumpre pena na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc). Após o episódio histórico da fuga em massa, o Presídio Regional de Santa Cruz do Sul passou por reformas e mudanças administrativas. Nunca mais aconteceu um fato com a mesma dimensão no local.
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