Quando se fala em estudantes, logo pensamos em jovens que frequentam as salas de aula de escolas e de universidades. Esse paradigma há um bom tempo vem sofrendo mudanças, devido à maior presença de pessoas com 60 anos de idade, ou mais, cursando uma graduação pela primeira vez ou adquirindo novos conhecimentos em outras áreas.
Conforme o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o número de pessoas com essa faixa de idade no ensino superior no Brasil chega a 51,3 mil matriculados. O crescimento de alunos com essa idade é percebido desde 2019, quando eram 27 mil estudantes em
sala de aula.
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Se por um lado cresce o número de matrículas da população idosa em alguma graduação, o de pessoas com 59 anos ou menos teve elevação de apenas 7%. Um dos fatores que colaboraram para a maior presença de idosos no ensino superior é de que a população brasileira está envelhecendo com mais qualidade de vida. Essa realidade se percebe em Santa Cruz do Sul, com exemplos de cidadãos que buscam novos desafios dentro de uma sala de aula, depois dos 60.
Santa Cruz do Sul conta com uma população idosa estimada em 25,7 mil habitantes. Destes, 10,9 mil são do gênero masculino e 14,8 mil do gênero feminino. Pessoas com idades entre 60 e 64 anos são a maioria, em um total de 7,7 mil cidadãos. Os dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Entre eles está o militar da reserva Francisco Eduardo Felicio, 59 anos. Ele é natural de Santa Cruz do Sul e ingressou na Faculdade Dom Alberto em 2021. A formatura está prevista para o dia 15 de fevereiro do ano que vem, quando ele completará 60 anos de idade.
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O sonho de Felicio em cursar Direito vem desde a juventude. Porém, como ele optou por seguir carreira no Exército, teve de postergar os estudos e se dedicar ao trabalho. Além disso, as constantes transferências entre cidades e até estados impediram-no de iniciar uma graduação, já que exige tempo e dedicação.
Para o militar, poder se formar com essa idade é a realização de um sonho. “Quando eu me formei no Ensino Médio e prestei concurso para o Exército, na época não tinha incentivo para continuar os estudos. Além disso, atuei em cidades como Santa Maria (RS) e Manaus (AM) e em estados distantes, como Acre e Mato Grosso, entre outros. Isso impedia que ingressasse na graduação. Agora, na reserva, vi a oportunidade de retomar os estudos.”
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Felicio explica que é de família humilde e não podia abrir mão do trabalho para entrar em uma faculdade. “Trinta e sete anos depois, chegou o momento de ter uma formação na área com a qual me identifico.” Nesse período, ele também construiu sua família, casou-se e teve três filhos.
Quando comentou com a sua família que iria voltar às salas de aula, Felicio lembra que a reação foi de estranheza, pois teria que abdicar de momentos em casa. “Claro, eles me apoiaram e viram que era o meu sonho. Eu também tentei compensar o tempo com eles.”
Pisar novamente em sala de aula, muito tempo depois de concluir o Ensino Médio, para Francisco Eduardo Felicio trouxe uma sensação de pavor. “Quando eu vi que meus colegas tinham a idade dos meus filhos fiquei apavorado, pois eram pessoas muito jovens. Mas depois passou a sensação, e fui me enturmando com os colegas.” Para cursar a graduação, ele prestou o vestibular, assim como os demais alunos.
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No momento de apresentação da turma, o militar esperou os colegas se identificarem primeiro para ter noção do que poderia falar. “Fiquei observando para entender como era.” A partir desse momento, Felicio passou a viver a vida de um universitário, com desafios, provas e apresentação de trabalhos. “A Dom Alberto me deu todo o incentivo e apoio. Com isso, a questão da idade não pesou na minha adaptação”, ressalta.
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Na reta final da graduação, o momento mais difícil para ele foi elaborar o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), por envolver escrita e leitura específica. “Eu havia perdido o hábito da leitura, e nesse trabalho precisa-se ler muito. Escrevi um pouco sobre minha trajetória de vida e cotas raciais; isso envolve muita legislação”, ressalta.
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Um momento ansiosamente aguardado é a formatura. Felicio já está se preparando para a colação de grau. E também para a festa. “Depois, vou fazer o exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para ingressar na área”, finaliza.
Com 66 anos de idade, a busca pelo conhecimento é constante para Gardênia Quadros Goettert. Durante sua vida profissional, ela já atuou em setores do magistério em Santa Cruz do Sul; foi coordenadora pedagógica da Secretaria de Educação e Cultura, entre 1997 e 2000; atuou como supervisora de escolas; esteve à frente da Coordenadoria Regional de Educação da (6ª CRE), de 2007 a 2010; e trabalhou em setores privados. Atualmente, ela está aposentada como professora.
A primeira graduação ocorreu em 1978, quando ela se formou em Pedagogia pelas Faculdades Integradas de Santa Cruz (Fisc), atual Universidade de Santa Cruz (Unisc). Gardênia não parou por aí, e cursou a pós-graduação em Administração e Supervisão da Organização Educacional pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Ela também realizou pós-graduação em Currículo por Atividade na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Santa Cruz.
Recentemente, a professora concluiu mais uma etapa importante em sua vida. No ano passado, Gardênia tornou-se bacharel em Direito pela Faculdade Dom Alberto. A diplomação oficial ocorreu em 24 de fevereiro deste ano. Mesmo com todos esses feitos, aos 66 anos ela se tornou novamente aluna como acadêmica do curso superior de Tecnologia em Investigação Criminal na Universidade Norte do Paraná (Unopar).
Sobre sua mais recente conquista, o diploma de Direito, Gardênia ressalta que a mudança de endereço a fez decidir ingressar no curso. “A nova residência me colocou de frente para a vista da Catedral e da Dom Alberto. Isso me inspirou, e em 2019 falei para meu esposo sobre um projeto para aquele ano, que foi a concretização dessa volta para mais um curso.”
Pisar novamente em uma sala de aula, em busca de um diploma acadêmico, foi mágico para Gardênia Quadros Goettert. Ela resume o momento em um sentimento de estar viva. “Bem viva para compartilhar e trocar conhecimento entre colegas e professores.”
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A aposentada ressalta que há desafios nesse novo caminho, provocando situações até de uma possível desistência. “Isso nos desafia a sermos criativos e, ao mesmo tempo, nos fortalece para seguirmos em frente. A pandemia de Covid-19 foi um desses grandes desafios.” Ela teve que se adaptar do ensino presencial para o online. “Foi uma enorme lição”, resume.
Após cinco anos de muita dedicação, Gardênia conquistou o tão sonhado diploma em Direito, com o sentimento de missão cumprida. “Chegar ao fim do curso é um momento especial e de gratidão pela trajetória vivida ao lado da família, amigos e colegas.” Agora, Gardênia quer se dedicar para obter a carteira da OAB e finalizar o curso em Investigação Criminal.
Motociclista, apaixonado por viagens e conciliando o tempo de lazer com os estudos. Parece a rotina de um estudante no auge dos seus 20 e poucos anos. No entanto, essa é a realidade de João Francisco de Freitas Bisneto, de 70 anos.
O aposentado reside na cidade de Vale Verde e cursa Direito na Unisc. Ele possui um escritório de prestação de serviços no município. Antes, Freitas atuou na área bancária, em Porto Alegre. A participação no vestibular da Unisc ocorreu em 2010. “Eu estava sem expectativas, pois não havia me preparado para a prova. Para minha surpresa, fui aprovado e comecei a cursar ainda naquele ano.”
No meio do caminho, Freitas teve que trancar a faculdade por motivos de saúde. “Os anos foram passando, mas a vontade de voltar e conquistar uma formação superior persistia. Retomei o curso na metade do ano passado.” O aposentado contou com o incentivo de uma amiga advogada para continuar os estudos, a Anna Maria Vicente Dorneles, e sua esposa Neusa Lisete Schwendler.
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Um dos grandes desafios para o aposentado foi voltar a uma sala de aula em um mundo tecnológico. A curiosidade foi um facilitador para entender esse novo mundo. “Depois que me proponho a fazer algo, vou até o fim. Voltar à sala de aula, depois de anos, é uma experiência indescritível. Nos sentimos jovens novamente”, afirma. A previsão de formatura de Freitas é para o ano de 2029.
PARA SABER
A forma de ingresso no ensino superior, de pessoas com 60 anos de idade ou mais, é semelhante à de alunos de outras faixas etárias. A Faculdade Dom Alberto realiza o seu tradicional vestibular para todos os públicos. Um diferencial é a forma de adaptação e recepção desses alunos idosos em sala de aula.
A Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) oferece desconto de 50% nas mensalidades para pessoas com 60 anos ou mais. É necessário fazer a solicitação. A forma de ingresso do aluno é por vestibular.
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