*Por Lourdes Hübler, professora aposentada
Nesta época do ano em que afloram sentimentos e pensamos nas idas e vindas de cada dia, nos passos que não damos, nos passos apressados que nos levam aos últimos preparativos, ao encontro de outros Natais mais doces, em que a ausência de amigos e familiares se faz mais presente, os quatro ventos decidiram viajar. Os ventos não tinham casa. Eles vão, vêm, param e quando param, às vezes, ninguém se entende porque falavam muito, falavam daquilo que viam e que não deviam contar. Então o encontro virava vendaval. O povo comentava: Orai, são os ventos!
O vento norte era quente. De bom humor, andava de bermuda, chinelos e óculos escuros. Adorava ficar estendido na areia da praia. Era um harpista inigualável. Infiltrava-se nas fendas das cavernas e tocava estalactites e estalagmites provocando estranhos sons. Alegrando alguns. Assustando outros. Quando estava de mau humor revirava a terra, trocava o ninho dos pássaros, corria desvairado. Por distração, sem saber como, foi parar noutro canto do mundo, no Polo Sul. O vento acelerou. Nada a ver com foca-leopardo, lobo-marinho. Melhor ficar longe deles. Quando ia ventando pelo mar, ouviu um casal de pinguins pedindo socorro. Estavam cansados de nadar e afastados da costa. O vento soprou forte e eles caíram no gelo amigo.
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– Como sou atrapalhado! Daqui a pouco derreto o iceberg. Preciso ir embora.
Lá se foi ventando, ventando…
O vento sul sopra das regiões frias, sempre vestido de touca, casaco e cachecol. É mensageiro das boas notícias. Num dia gelado, depois de assobiar pelo canto das casas e galpões, fez uma parada. Enrodilhou-se na grossa manta de lã. Ficou em volta do fogão a lenha de vó Carmela. Tomou chá e comeu broas de milho. Vó era benzedeira, 90 anos, e já o curara de contração nas ancas. Apesar da idade, ainda tratava das dores do corpo e da alma.
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O vento oeste, suave como os dias de abril, respirava poesia. Levava sempre uma sacola de livros. Na sombra das laranjeiras, lia trechos de poemas. Seus ouvintes? Borboletas, pássaros, abelhas. No outono dançava com folhas e, comovido, acompanhava sua trajetória desde o ramo da árvore até o solo. Era testemunha da vida e da morte. Um dia ajudou o beija-flor de asa ferida. Ele precisava alimentar os filhotes, mas não tinha força. Amparou-o, carinhosamente, para que sugasse néctar e o levou para o ninho.
O vento leste é mensageiro das chuvas e trovoadas. As plantas, os rios, a cidade, os agricultores o saudavam porque trazia vida, mas temiam sua ira. É um vento que não perdoa. Amado por uns. Temido por outros. Quando de mau humor, rugia sem menor cerimônia. Destelhava casas, arrancava árvores, irritava o mar, provocando ondas gigantescas. Apesar de sua rudeza, curtia as coisas simples da vida. Feijão, arroz, salada, ovo cozido de cinco minutos.
Então é dezembro!
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Mas, antes da partida… tropeços.
Vento oeste emprestara sua sacola de livros e não queria viajar sem ela.
Vento leste teve problemas digestivos. Comera feijão demais e necessitou doses extras do chá de carqueja.
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Vento sul, com dores ciáticas, mancava.
Vento norte, sempre distraído, esquecera a data do encontro.
Nova data foi marcada.
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Véspera de Natal.
Antes que surgisse novo imprevisto, nunca se sabe o que pode acontecer, por conta de tanto nervosismo e ansiedade, os ventos fizeram a mala, roupas para todas as estações, sem esquecer do álcool gel, máscaras e uma sacola de bolachinhas coloridas, afinal iriam encontrar diferentes temperaturas, povos e crianças de todas raças e línguas.
Tudo pronto.
Estabeleceram um ponto de partida: o oriente, junto à Sagrada Manjedoura, onde receberam bênçãos. Assim ungidos, saíram ventando de leste a oeste e de norte a sul por toda a Terra, badalando esperança, boas novas, paz e alegria ao planeta coberto de feridas, carente de amor.
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