Nestes dias frios, gélidos e não poucas vezes chuvosos do nosso inverno, uma pergunta não quer calar em quem vê muitos insistirem em permanecer na rua, mesmo à noite: onde encontram razão, ou calor, para resistirem a tal situação? É difícil compreender por que não aceitam acolhimento tão bem oferecido pelo Município, em albergue bem estruturado e agora inclusive com atendimento 24 horas, ainda que haja também atendimento aos que se mantêm desabrigados na rua.
A razão alegada por um deles – de que já esteve lá mas não gostou, sem maiores explicações, não convence. Pelo que se sabe, no entanto, a maior motivação para não aceitar o abrigo é a exigência de disciplina, de aceitação de regras normais de convivência em grupo, porque querem mesmo, e acima de tudo, a tão falada liberdade.
Não é de estranhar, e até pode convencer, a alegação da liberdade, que afinal é o que todos mais buscam, junto com a felicidade. Como já dizia o filósofo e intelectual Sêneca, em Roma, há dois mil anos, “a liberdade é o prêmio que buscamos. Significa não ser servo de coisa alguma – de nenhuma compulsão e de nenhum acaso dos fatos”.
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A isso, outro filósofo da mesma época (veio um pouco depois) e da mesma linha filosófica (estoica), Epicteto, ainda acrescentava a respeito desses temas: “A liberdade é o maior bem, e ninguém que é realmente livre pode ser infeliz”. Quem sabe, pode estar aí, de fato, uma justificativa para a questão que tanto aflige.
Mesmo assim, mexe com nossos mais profundos sentidos a persistência de alguém pernoitar na rua sob condições tão adversas. Mas, para a pergunta “se não sente frio”, um dos questionados simplesmente responde que já se acostumou e não vê problema. Acaba encontrando o calor nos papelões e nas cobertas juntadas para o abrigo improvisado abaixo (e às vezes não) de uma marquise qualquer.
São muitas as perguntas que se apresentam. Afinal, por exemplo, como passam o tempo? O meu entrevistado trazia algum material de leitura, incluindo um livro de Física, citava que chegou a estudar História, em nível superior, e gosta de ler, sem dúvida também um excelente passatempo. Talvez, no exemplar de Física, se identifique com a famosa lei da inércia, de Isaac Newton, divulgada em 1687, de que “todo corpo, em repouso ou em movimento em linha reta, tende a permanecer no mesmo estado, a menos que algum tipo de força o obrigue a mudar de direção”.
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No caso, porém, nenhum tipo de força ou argumentação o remove da opção. E não lhe falta a generosidade das pessoas em oferecer-lhe o alimento no dia a dia ou outro auxílio de que necessite, garantindo, assim, o calor nutricional e humano de que ninguém pode prescindir. Apenas ele corta a conversa e não quer falar de uma forte desilusão amorosa, da qual, pelo que se diz, foi vítima no passado e que por certo contribuiu de forma decisiva para o modo de vida.
Ainda assim, na busca por respostas nos mais diversos campos, fica-se distante da compreensão de tanta degradação, desvalia, desabrigo, desconforto e tantos “des” que tais situações nos expõem e nos fazem sentir mal. Menos mal que tem havido assistência, apoio, que tentam minimizar a anormalidade e devolver um pedaço da condição humana destruída, e podem diminuir a dor no coração que sentimos ao deitar em nossas camas quentes e providas de todo conforto.
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