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ASSUNTO DE PROFESSOR

Olgário Vogt: “O professor segue sendo essencial, imprescindível”

Foto: Alencar da Rosa

Olgário, aposentado, em sua chácara em Linha Pinheiral, onde ele se dedica a um pomar, cultivo de alimentos e criação de gado

Foram as aulas de História da professora Maria Hoppe Kipper na graduação em Estudos Sociais na antiga Fisc, atual Unisc, que inspiraram o santa-cruzense Olgário Paulo Vogt a se tornar historiador. E não só apostou na área de predileção da mestra como atuou por 29 anos na mesma instituição, a Unisc, entre 1990 e fevereiro de 2019, na graduação e na pós-graduação, no mestrado e no doutorado em Desenvolvimento Regional, em áreas como História, Geografia e Serviço Social. Tão logo se desligou voluntariamente da instituição, voltou-se, como opção pessoal, a sua chácara de cinco hectares em Linha Pinheiral, a 10 quilômetros do centro de Santa Cruz do Sul.

É ali que, aos 60 anos, reaviva as origens familiares: seus pais, Norbert e Olga, falecidos, deixaram o interior para morar na cidade, onde criaram os filhos Cleoni, Liria, Renê e Olgário. Por ser o mais novo, ele é que pôde estudar. Mal havia concluído a graduação e em 1988 já estava fazendo o mestrado na Universidade Federal do Paraná, o que lhe abriu as portas para o Ensino Superior, ficando vinculado como professor, pesquisador e gestor ao longo de toda a sua trajetória à Unisc (ainda lecionou na Educar-se e na rede pública). Também fez o doutorado em Desenvolvimento Regional, já pela Unisc.

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Afastado das aulas, nem por isso deixa de reparar na educação, como evidencia nesta entrevista. Divorciado, é pai do Everton Luís, de 25 anos, que aposta na Engenharia de Produção. Hoje “aprendiz de camponês”, como se define, Olgário não esconde a felicidade que lhe proporciona a nova rotina junto à natureza.

Entrevista – Olgário Paulo Vogt, professor e historiador

  • Gazeta do Sul – Em que momento da sua caminhada a área de História se revelou como a de sua predileção ou atuação, e o que foi determinante para isso?

Olgário Paulo Vogt – Quando me formei no Segundo Grau – Ensino Médio – fiz vestibular para Direito na Fisc. Cursei um ano e, por razões financeiras e por não me ver como um futuro operador do Direito, desisti do curso. Passei três anos pulando por alguns empregos e, como não tinha uma profissão, resolvi voltar aos estudos. Pensei que poderia ser professor de alguma escola do interior do município. Escolhi cursar Estudos Sociais porque gostava muito das aulas de História, da professora Maria Hoppe Kipper, e das aulas de Geografia, do professor Oto Leifheit. Ambos haviam sido meus professores na Escola Estadual Ernesto Alves de Oliveira. Foram também meus professores na graduação.

Cursei a Licenciatura Curta em Estudos Sociais e a habilitação Plena em História e me formei em 1987. Durante o curso, trabalhei na Afubra. Com o salário recebido, pagava a mensalidade para a Fisc, adquiria alguns livros e a roupa do corpo. Meus familiares bancaram a minha alimentação.

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Embora eu fosse um aluno trabalhador e, portanto, com limitações de tempo para estudos mais aprofundados, dois de meus professores, Jorge Luiz da Cunha e Paulo Pinheiro Machado, viram algum potencial em mim, e me incentivaram a ampliar minha formação e fazer Mestrado. Em uma disputa bastante concorrida, tive a felicidade de ser selecionado no Mestrado em História do Brasil da Universidade Federal do Paraná. Durante 1988 e 1989 morei em Curitiba e, com uma bolsa da Capes, pude lá me manter e me dedicar exclusivamente aos estudos. Ainda em meados de 1989, participei de um processo seletivo para professor de História na Fisc e tive a sorte de a banca me selecionar. Ingressei na Fisc no início de 1990 e lá permaneci até fevereiro de 2019. Também lecionei durante um ano na Educar-se e tive uma passagem de meio ano como professor da rede pública estadual.

  • A partir de sua experiência no Ensino Superior nessa área, como o senhor avalia o ensino de História e mesmo a relevância dessa disciplina nos dias atuais?

O ensino de História mudou bastante nos últimos 50 anos. Enquanto disciplina escolar específica, a História surgiu no Brasil durante o Império. Sua função era de auxiliar na construção de uma identidade nacional e fomentar o patriotismo. Nesse sentido, o ensino enfatizava os grandes vultos nacionais, as datas comemorativas, as grandes batalhas.

Nos anos 1970, a História ensinada na Escola Básica era a dos eventos, tradicional, positivista. Os conteúdos não eram críticos e se atinham a guerras e batalhas, a feitos de governantes. Predominava a aula expositiva, com leitura complementar do livro didático. As aulas eram de transmissão de conhecimento.

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Na década de 1980, na formação universitária e nos livros didáticos, entrou com vigor a corrente marxista, inspirada na historiografia inglesa. Ainda mais para o final daquela década, mas com mais ênfase nos anos 1990, ganhou força a historiografia francesa, que passou a incluir novos temas, como o cotidiano, as minorias, a mentalidade, a vida privada.

Em 1998, o MEC publicou os Parâmentros Curriculares para o Ensino de História, o que exigiu uma readequação dos cursos de licenciatura da área. A partir de003, tornou-se obrigatório no País o ensino de história e de cultura africana e afro-brasileira. O Brasil é o país mais negro fora da África e sua população é, majoritariamente, afrodescendente. Se até então, basicamente, o negro entrava na história brasileira enquanto escravo, a partir daí os estudos das africanidades se multiplicaram. Também o estudo da história e cultura indígena tornou-se componente curricular obrigatório.

Assim, o avanço da historiografia, ou seja, o conhecimento histórico produzido pela academia, a legislação, a formação dos professores e as ferramentas de multimídia que podem ser utilizadas pelos docentes mudaram, muito, o ensino e as aulas de história nos últimos anos. Apesar dos avanços tecnológicos, a mediação do conhecimento pelo professor continua sendo essencial, imprescindível.

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  • O que o ensino de História agrega em especial a cada aluno ou a cada cidadão? Qual o grande mérito dessa área?

Não se estuda o passado pelo passado. Explícita ou implicitamente, o professor faz uma analogia com o presente e a realidade conhecida do aluno. O ponto de partida, portanto, é a realidade do aluno. Assim, ao estudar civilizações do passado, o professor induz a instigar permanências e mudanças ocorridas, por exemplo, na forma de organização política, no mundo do trabalho, nas crenças religiosas, no cotidiano, e por aí vai. Ao reconhecer a existência de formas distintas de Estado, de poder, religião, organização da produção e formas de viver, o aluno desenvolve habilidades e competências que favorecem o seu convívio, de forma crítica, na sociedade.

A disciplina de História, dessa forma, colabora na conquista plena da cidadania, para o convívio com pessoas ou grupos que professam outra crença religiosa ou pertençam a outra facção política, para extirpar o racismo e todas as formas de discriminação sexual.

  • E por que, e a quem, interessaria que uma sociedade não conheça sua própria história, de seu país e de suas instituições? Por que de tempos em tempos há uma pretensão de adequar o discurso histórico?

Quem produz história são os historiadores. Não há uma história única e verdadeira. Toda história é uma versão, uma narrativa que é feita sobre o passado. Essa narrativa histórica depende das fontes compulsadas, do referencial teórico metodológico adotado e do preparo do pesquisador.

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De tempos em tempos reescreve-se a história porque novas indagações são feitas sobre esse passado, novas abordagens tornam-se possíveis e o acesso a novas fontes torna-se uma realidade. Assim, por exemplo, temas que não entravam nas narrativas oficiais, como a sexualidade, a vida privada, a prostituição, a morte, a vestimenta, os excluídos e os marginalizados, passam a integrarem determinado momento as novas narrativas.

Normalmente, regimes políticos discricionários e governos com tendência ditatorial colocam impedimentos para o livre exercício da atividade do historiador. Isso pode ser feito através da censura, da perseguição, da imposição de sigilo sobre a documentação, da retirada de recursos para o financiamento da pesquisa.

  • Como o senhor avalia o ensino e a pesquisa em História no Brasil em relação ao que ocorre em outros países?

No caso da pesquisa, a produção historiográfica brasileira realizada nos centros de pesquisa e nas universidades nas últimas décadas foi notável. O intercâmbio com historiadores de outros países possibilitou trocas de experiências e a atualização teórico-metodológica constante. O Rio Grande do Sul seguiu essa tendência nacional com a expansão dos programas de mestrado e doutorado em História e o consequente aumento do volume de pesquisa.

Já no ensino, desde o início tivemos uma forte influência da história francesa. A forma como dividimos a história universal em Pré-História, Idade Antiga, Idade Média, Idade Moderna e Idade Contemporânea é ilustrativa quanto a isso. Utilizamos uma história cronológica e integrada. Os alunos partem da Pré-História e vão avançando no marco temporal. A partir das grandes navegações marítimas e comerciais, ocorridas no final do século 15, é que o Brasil e a América vão, gradualmente, sendo incorporados a essa história universal. Os conteúdos estudados diferem de país para país.

Olgário Vogt e a cachorra Tigresa, em sua chácara: “Quando encaminhei o fim do meu ciclo na Unisc, me mudei para o interior” | Foto: Alencar da Rosa
  • A partir do momento em que o senhor se aposentou, que vínculos ainda tem mantido com a área? Continua pesquisando?

Não. Eu tinha milhares de livros. Doei-os a dois ex-alunos. Fiquei com uns 50 apenas. Havia artigos em processo de elaboração. Desisti de terminá-los para fins de publicação. Não pesquiso mais sobre assuntos históricos. Meus interesses agora são outros. Continuo pesquisando, mas sobre coisas que me são úteis no sítio.

  • De suas áreas ou temas de interesse em História, o que o senhor entende que, em realidade regional ou nacional, carece de ser iluminado em especial, e que poderia merecer a atenção das futuras gerações?

Sempre tive a intenção de escrever uma história do Vale do Rio Pardo. Pela limitação de acesso a fontes de pesquisa e, principalmente, por não conseguir equacionar a questão metodológica, não consegui me dedicar a esse empreendimento. O Vale do Rio Pardo é uma região que apresenta realidades geográficas, e de formação social e econômica, bastante distintas se compararmos às porções Sul, Central e Norte.

Creio que a maioria dos municípios da região careçam de um livro, atualizado e com fundamentação teórica, que trate da sua história. Trabalhos de história local, embora importantes, sempre foram negligenciados pelos pesquisadores acadêmicos. Em decorrência, tivemos padres, pastores, advogados e profissionais de outras áreas se dedicando a suprir essa lacuna. Normalmente, esses escritos possuem limitações e quase sempre são apologéticos e laudatórios ao enaltecer determinado grupo étnico.   

  • O senhor deixou a academia e se radicou em localidade rural? Como é a sua rotina hoje e como ocorreu essa opção?

A vida para quem está na academia é de muito trabalho e pressão. Lembro muito bem de uma pergunta de uma aluna dos extintos cursos de férias. “O senhor só dá aula ou também trabalha?”

O lecionar envolve o preparo de aulas: de conteúdo, de metodologia, de objetivos a alcançar. Mas, além da docência, na universidade se pesquisa, se faz extensão, muitas vezes se faz gestão e se participa de um interminável número de reuniões. E os resultados das atividades de pesquisa e extensão devem ser publicados em revistas bem ranqueadas. O professor está sempre “correndo atrás da máquina”. Não é por acaso que muitos caem em depressão. Existem horários e prazos a cumprir que vão muito além da sala de aula.

Tive a felicidade de poder planejar a minha velhice. Minha atuação como docente da Universidade do Adulto Maior foi extremamente importante para a tomada dessa decisão.

Enquanto ainda estava na ativa, adquiri uma pequena fração de terra, edifiquei uma morada e, quando encaminhei o fim do meu ciclo na Unisc, me mudei para o interior. Sou um desses tantos neorrurais. Eu brinco dizendo que sou um aprendiz de camponês.

Levo uma vida pacata e tranquila. Dispensei o relógio. Não sou escravo do celular, muito menos do computador. Leio por prazer, assisto a filmes na televisão, produzo uma parte da minha própria subsistência, sem o uso de agrotóxicos. Crio alguns animais, com os quais interajo diariamente. Faço somente o que é possível fazer. Não trabalho em excesso. O que realizo é por satisfação. Vivo bem, tranquilo e em paz. Tenho ainda muitos projetos e sonhos a realizar. O maior deles é, no futuro, transformar meu pequeno sítio em uma RPPN (Reserva Particular de Preservação Natural). Quero deixar esse como meu legado, para a sociedade e à natureza.

  • O que, como professor de História, o senhor deixaria como recado ou dica para as gerações atuais que estão nas salas de aula?

De que é necessário manter-se atualizado e estimulado. Participar de fóruns de discussão e de jornadas e encontros. Fazer o melhor possível e educar para uma sociedade mais solidária, humana e fraterna.

  • Como o Olgário, que cumpriu a sua jornada como professor, vê o papel e a importância do professor nos dias de hoje?

O professor é de fundamental importância. Por mais que avance a tecnologia, ela será, sempre, uma ferramenta. O papel do professor continuará imprescindível para fazer a mediação entre o aluno e conhecimento.

Particularmente, acredito que deveríamos ter professores doutores atuando já nos anos iniciais, no processo de alfabetização da criança. Aí poderíamos avançar mais rapidamente na melhoria da qualidade do ensino. O professor da escola básica é o responsável pela formação do futuro médico, engenheiro, veterinário, operador da Justiça e tantos mais. Um aluno que sai com sólida formação no Ensino Médio é mais fácil de lapidar no Ensino Superior. Mas o professor do Ensino Fundamental e Médio também prepara para a vida e para o exercício da cidadania o porteiro, o motorista de ônibus, o vendedor de loja, o pedreiro, e por aí vai.

O ano de 2022 será importante porque teremos eleições. O discurso dos candidatos a cargos eletivos vai enfatizar que a educação, para eles, será considerada prioritária. Mas para ter uma educação de qualidade não basta investir em boas e confortáveis salas de aula. Não basta ter acesso aponta. Isso tudo é importante. Mas é necessário remunerar dignamente o professor. Enquanto o pintor de parede, o mecânico de automóveis e a pessoa que faz faxina tiverem uma remuneração superior à do docente, a educação não será considerada prioritária no Brasil.

  • Alguma coisa a mais a colocar?

Eu sou imensamente grato à Unisc por tudo que ela me oportunizou na vida. Queria agradecer às centenas, talvez milhares de alunos com quem aprendi muito e que foram extremamente generosos comigo. A maior inquietação que sempre tive é como lecionar para que ocorra o aprendizado. Confesso que isso me torturou quase que diuturnamente. Essa questão nunca consegui resolver plenamente.

Tive a honra de conviver no Departamento de História e Geografia com colegas extraordinários, com os quais muito aprendi. Refiro-me aos historiadores Mozart Linhares da Silva, José Remédi, José Antônio Moraes do Nascimento, Maria Hoppe Kipper, Nadir Helfer, Sérgio Klamt e Roberto Radünz, meu grande parceiro de pesquisa; e aos geógrafos Rogério Silveira, Virgínia Etges, Erica Karnopp e Wanderléia Brinckmann.

Quando faço uma retrospectiva de minha atuação como professor, quando folheio um livro ou artigo publicado, só ou em coautoria, me vem à mente que fui muito mais longe do que imaginava. Eu queria ser somente um simples professor de uma escola rural. Tudo aconteceu tão rápido.

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