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‘Oh de casa, nobre gente’: você conhece a tradição do Terno de Reis?

A antiga e tradicional manifestação cultural de Terno de Reis veio de Portugal através dos colonizadores luso-açorianos, que desembarcaram no Brasil no século 18, sendo mantida até os dias atuais, principalmente no litoral brasileiro e no meio rural.

A data da comemoração de Reis é no dia 6 de janeiro, mas as visitações dos ternos iniciam ainda em dezembro. O Terno de Reis é inspirado na passagem bíblica dos Três Reis Magos, onde um trio viajou para presentear o menino Jesus, que havia nascido na cidade de Belém.

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O Terno de Reis consiste em um grupo de cantores que realizam visitas às casas, anunciando o nascimento de Jesus. Nessas visitações, são entoadas músicas tradicionais de Reis, cantadas geralmente em várias vozes, embaladas por violão e gaita.

No Rio Grande do Sul, os ternos ainda são cantados em várias partes do Estado, com maior ou menor intensidade em determinadas regiões. Na região Centro Serra, a manifestação cultural, continua ativa para alguns grupos tradicionais. Assim, a Gazeta da Serra reuniu relatos de quem ainda vivencia ou guarda apenas na memória emocionantes histórias relacionadas a essa tradição.

“Saudade do que era bom”

As cordas enferrujadas e uma madeira já gasta do antigo violão comprado de terceira mão de um parente, trazem emocionantes e inesquecíveis lembranças ao ex-integrante de um antigo Terno de Reis local, Alvino de Oliveira Paranhos, de 80 anos. O aposentado atualmente reside em Campo de Sobradinho, interior de Passa Sete, com a esposa Vergulina Antonia de Castro Paranhos, de 81 anos.

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O antigo violonista e cantor do extinto terno, relembra com saudade as lindas apresentações que eram realizadas com pelo grupo, constituído por Alzemiro Moraes (gaiteiro) e Luiz Adair Homrich (violão/gaita). Conforme Alvino, o terno iniciou por volta dos anos 1970 e durou aproximadamente 10 anos. As apresentações eram realizadas apenas na localidade onde residiam, em casas de vizinhos e amigos. Geralmente eram iniciadas no dia de Natal, se estendendo até o dia 6 de janeiro. O aposentado lembra que visitavam cerca de cinco casas por noite. “Começávamos às 21 horas e muitas vezes clareava o dia tocando”, destaca.

Alvino e a esposa Vergulina | Foto: Victor Paranhos

Segundo Alvino, o grupo ficava na frente da casa e tocava a música/oração de chegada e na saída se cantava o agradecimento. “A gente chegava na frente da propriedade, as portas da casa estavam fechadas. Quando o dono da residência abria a porta era hora de cantar um verso dizendo ‘porta aberta e luz acesa’. Este trecho precisava ser cantado nessa hora, que era a chegada. Após, a gente entrava para tomar chimarrão, jantar e conversar. Depois acontecia a hora do agradecimento, então dentro de casa mesmo pegávamos os instrumentos e fazíamos a parte final do terno”, recorda.

Segundo ele, naquela época a tradição era muito forte, e considera que atualmente está um tanto enfraquecida. De acordo com Alvino, “a maioria não sabe a música/oração, outros imitam, o que também serve, é como um galho que saiu do tradicional, mas a original poucos sabem”, enfatiza. O antigo músico relembra com muita saudade do tempo em que fazia parte do Terno de Reis. “Era um prazer para a gente cantar uma oração falando sobre o nascimento de Jesus. Era muito lindo. E não tem como não sentir saudade do que era bom”, reforça Paranhos.

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Violão, o antigo companheiro | Foto: Victor Paranhos

A tradição de Reis ainda é mantida

O encanto e beleza dos antigos Ternos de Reis, ainda se mantém vivos no tradicional grupo de Sobradinho, formado pelos amigos Omero Morais (violão e vocal), Chico Leal (violão e vocal) e Sofá Véio (gaita). O grupo já se reúne há, aproximadamente, oito anos para cantar neste período.

Conforme Omero e Chico, o Terno busca manter viva a tradição de Reis na região. “Resgatamos aqueles cânticos de antigamente. Atualmente existem vários tipos de Reis, que são mais modernos e diferentes. Mas o nosso segue o mesmo pressuposto dos antigos ternos, pois herdamos muita coisa de nossos pais, buscamos até o tom de voz usado daquela época”, destacam.

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Os cantores contam que realizam as apresentações em vários municípios da região, mas principalmente em Sobradinho. “Geralmente é em Sobradinho que a gente faz, pois são muitos convites e não conseguimos atender a todos. Vamos para um município na casa de alguém que convidou. A partir dessa casa, nos levam para outra, então o roteiro vai se criando. Não tem viagem perdida”, salientam.

Omero e Chico | Foto: Victor Paranhos

Segundo Omero, o terno segue a antiga tradição. Após cantar em frente à propriedade esperando a abertura da porta, os cantores entram e se dirigem até o Presépio e ao Pinheiro de Natal, onde entoam canções em frente aos símbolos. O cantor conta a emoção das pessoas em receber o terno em suas casas. “A gente vê o pessoal emocionado. Pessoas que chamam a gente para cantar no quarto, onde alguém está doente ou acamado. É só estando junto pra entender a emoção”, afirma.

Dentre diversas histórias vividas em tempos de Ternos de Reis, Omero cita algo marcante para o grupo. “Realmente tem algo espiritual nessa tradição. Fomos cantar em uma casa, mas erramos o endereço. Começamos a cantar em frente à porta e ali ficamos por bastante tempo. Dentro da casa ouvíamos passos e víamos o trinco da porta girar. A gente pensava, agora vão abrir, mas ninguém abria. Nesse ponto, já cansados, continuamos mais um pouco, agradecemos e fomos embora, pensando que talvez eles queriam apenas escutar. Achamos até que podia ter uma senhora em casa com medo de abrir a porta. Saímos e fomos cantar em uma propriedade ali perto, onde logo nos receberam. Foi quando comentamos sobre o ocorrido na casa anterior. Ali disseram que nessa casa não morava ninguém, que já fazia cinco anos que a moradora havia falecido. Eu penso que a alma dela veio ouvir e não conseguiu nos receber fisicamente, mas espiritualmente nos recebeu de alguma forma”, conta, emocionado, o integrante do Terno.

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Mesmo com tanta emoção e crenças envolvidas nessa manifestação cultural, a tradição necessita de renovação para que seja mantida. De acordo com os cantores, os jovens de agora não procuram aprender sobre isso. “É uma coisa que está ficando com os mais antigos. Nosso terno está continuando essa tradição, mas tenho medo do tempo em que a gente não puder mais andar, que isso vá acabando. Claro, estão surgindo outros ternos, mas não como era antigamente”, finalizam os integrantes do grupo, que pretendem seguir até quando puderem.

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Nathana Redin

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