Ele se interessa por inutilidades. Um pedaço de vidro esmeralda abandonado na praia, aos seus olhos, transforma-se quase em pedra preciosa. Um fragmento de porcelana em formato incomum assume o aspecto de estrela-do-mar. Um ferro retorcido? Tudo indica que tem procedência alienígena, talvez resquício de algum meteorito.

Ele recolhe esses rejeitos e leva-os para casa, onde faz questão de encontrar-lhes alguma destinação, seja como peso de papel na mesa do escritório ou decoração na lareira. Com o passar do tempo, porém, não se preocupa mais em imaginar alguma função ou serventia. Agora ele se tornou um colecionador e acumulador obsessivo de objetos estranhos e inúteis – lixo para os outros que não compartilham de sua fascinação, inclusive amigos próximos. Nada mais lhe importa, nem mesmo a carreira na política partidária, que ele simplesmente abandona.

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É como se John, o protagonista de Objetos sólidos, conto de Virginia Woolf publicado originalmente em 1920, tivesse regressado à infância. Afinal, são as crianças que têm essa capacidade de revestir de magia as coisas mais prosaicas. A narrativa poderia ser vista como a desventura desse homem, que abandona o trabalho no parlamento para se tornar um extravagante catador de insignificâncias. Uma anomalia.
John dá as costas às “coisas importantes”, os grandes projetos políticos e sociais, e decide viver em função do que há de mais irrelevante. Essa escolha irá afastá-lo do convívio social e de tudo que fazia parte de sua vida anterior.

Ou o conto poderia ser interpretado de modo mais favorável ao personagem. Quando prestou atenção no primeiro “objeto sólido” – um pedaço de vidro verde em meio à areia –, ele teve uma epifania, revelação quase mística que o fez compreender uma verdade essencial.

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Não deve ser casual que, ainda no início, John solte em desabafo a frase: “Que se dane a política!” Ele já estava predisposto. Talvez cansado dos discursos para consumo externo, da constante disputa de egos mascarada por nobres ideais, do bem comum posto a serviço do interesse próprio. E talvez sem ânimo de lutar para mudar. Condená-lo? Porque a arena pública, para ele, tornou-se uma abstração vaga e sem solidez? Cada um fique com o John que preferir.

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Carina Weber

Carina Hörbe Weber, de 37 anos, é natural de Cachoeira do Sul. É formada em Jornalismo pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) e mestre em Desenvolvimento Regional pela mesma instituição. Iniciou carreira profissional em Cachoeira do Sul com experiência em assessoria de comunicação em um clube da cidade e na produção e apresentação de programas em emissora de rádio local, durante a graduação. Após formada, se dedicou à Academia por dois anos em curso de Mestrado como bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Teve a oportunidade de exercitar a docência em estágio proporcionado pelo curso. Após a conclusão do Mestrado retornou ao mercado de trabalho. Por dez anos atuou como assessora de comunicação em uma organização sindical. No ofício desempenhou várias funções, dentre elas: produção de textos, apresentação e produção de programa de rádio, produção de textos e alimentação de conteúdo de site institucional, protocolos e comunicação interna. Há dois anos trabalha como repórter multimídia na Gazeta Grupo de Comunicações, tendo a oportunidade de produzir e apresentar programa em vídeo diário.

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