Um dos assuntos predominantes durante o mês de janeiro foi o lamentável episódio do envenenamento por arsênico ocorrido em nosso Estado. Certamente muitas pessoas nunca tinham ouvido falar desse produto, mas a mim remeteu a lembranças da infância e da adolescência. Então, para reacender essas memórias, recorri a meus irmãos, despertando neles o que aos poucos estava se tornando matéria perdida.

O arsênico era presença comum nas vendas do interior. Meu irmão lembrou logo a marca Tatu, veneno poderoso no combate a formigas e ratos. Era vendido, em geral, sem qualquer orientação, aplicado sem a mínima proteção, sem equipamentos, o desconhecimento era total. Uma tia nossa inadvertidamente passou a mão pela boca e quase foi a óbito. Vários produtos eram correntes, pondo em risco a vida das pessoas. Os invólucros (garrafas ou potes) eram descartados sem o menor cuidado. Não lembro, mas acho que não havia coleta ou pontos de descarte.

Uma de nossas irmãs trabalhava num estabelecimento comercial, destes que vendiam de chapéus de palha e tamancos a agulhas e tecidos em metro. Ela recorda com nitidez a disposição dos produtos dentro da venda. Numa prateleira, ficavam em cima os chapéus de palha, no meio, o telefone (na época o único da localidade), e embaixo rolos de fumo amarelinho, tendo a seu lado uma caixa de madeira onde ficavam os pães d’água e os pãezinhos doces. Atrás dessa caixa, ficavam estocados os venenos e a soda cáustica a granel. Até hoje ela recorda o forte cheiro que dali emanava, passando sobre o pão ainda remanescente.

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Havia venenos de combate a sarna, ratos, formigas, de proteção contra o caruncho, produto que era espalhado sobre as espigas de milho recolhidas no paiol. Meu irmão lembra de um produto (MM33), que vinha em garrafas e era usado para combater formigas que devoravam pastagens e plantações. O líquido era despejado na boca do ninho e depois se prendia fogo. As formigas morriam sufocadas. Havia também um fole com o qual se bombeava um produto para dentro dos ninhos. Lembro da fumaça e do cheiro forte.

As formigas eram inimigos implacáveis. Uma frase célebre, que em princípio seria de Monteiro Lobato, mas pesquisei e ela aparece muito antes em obra do naturalista e botânico francês Auguste Saint-Hilaire, dizia: “Ou o Brasil acaba com as saúvas, ou as saúvas acabam com o Brasil”. Em suas andanças pelo País, Saint-Hilaire (1779-1853) espantou-se com o poder devastador dessa formiga que destruía, segundo ele, desde a grama até árvores frondosas. Mais adiante, Mário de Andrade colocou a frase na boca de Macunaíma: “Pouca saúde e muita saúva os males do Brasil são”.

Não pretendo incriminar ninguém com estas considerações. As pessoas agiam de forma inocente e principalmente sem maior advertência ou orientação, manipulavam esses produtos letais sem se aperceber do risco a que estavam se submetendo.

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Rebatizar os agrotóxicos como suaves defensores agrícolas não reduz os riscos. Pelo contrário. Produtos cada vez mais nocivos, muitos deles contrabandeados, se fazem presentes em nosso meio. Melhorou muito o conhecimento sobre isso, as orientações são mais abrangentes, o uso de equipamentos de proteção está mais difundido, a vida merece mais respeito. O que não impede que se possa adquirir alguns produtos até pela internet e, se der tempo, preparar um bolo para tentar dizimar uma família inteira.

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Ricardo Gais

Natural de Quarta Linha Nova Baixa, interior de Santa Cruz do Sul, Ricardo Luís Gais tem 26 anos. Antes de trabalhar na cidade, ajudou na colheita do tabaco da família. Seu primeiro emprego foi como recepcionista no Soder Hotel (2016-2019). Depois atuou como repositor de supermercado no Super Alegria (2019-2020). Entrou no ramo da comunicação em 2020. Em 2021, recebeu o prêmio Adjori/RS de Jornalismo - Menção Honrosa terceiro lugar - na categoria reportagem. Desde março de 2023, atua como jornalista multimídia na Gazeta Grupo de Comunicações, em Santa Cruz. Ricardo concluiu o Ensino Médio na Escola Estadual Ernesto Alves de Oliveira (2016) e ingressou no curso de Jornalismo em 2017/02 na Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc). Em 2022, migrou para o curso de Jornalismo EAD, no Centro Universitário Internacional (Uninter). A previsão de conclusão do curso é para o primeiro semestre de 2025.

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