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O túnel da Floriano

Tem gente que acredita na existência de um antigo túnel, escavado sob a Rua Marechal Floriano – e a culpa por essa crença, muito provavelmente, é toda minha. Há noites em que fico insone, imaginando o quanto essas pessoas perdem ao se privarem de caminhadas tranquilas sob as tipuanas, temendo que, a qualquer momento, o túnel subterrâneo possa ruir e tragá-las para dentro da terra. Poxa… sabe-se que, antes das intervenções emergenciais nas árvores, o perigo vinha de cima, não de baixo. 

Esse meu peso na consciência se deve a textos que escrevi para a trilogia Nem te conto (Editora Gazeta), em 2012, 2013 e 2014. As três narrativas seguem uma sequência onde o túnel da Floriano é uma peça-chave para o desenrolar da história toda. Para quem não lembra, cabe citar que a trilogia reuniu 50 autores com raízes em Santa Cruz, incumbidos de escrever contos ficcionais ambientados no município. Vale repetir: contos ficcionais. 

Mesmo assim, ainda tem gente que me aborda querendo saber do túnel. E quando tento explicar que se trata de ficção, me olham desconfiados, pensando que estou querendo esconder alguma coisa. 

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Uma das possíveis explicações para o fenômeno está no conceito de paratexto. Segundo a teoria literária, o paratexto consiste em elementos de um livro que indicam ao leitor, entre outras questões, se a obra é de ficção ou não ficção. Umberto Eco, que nos deixou no ano passado, dizia que o próprio nome do autor funciona como um paratexto. Nesse caso, posso concluir que alguns tomaram meus textos ficcionais como reais por me conhecerem como jornalista, não como escritor ficcionista de fim de semana. 

Mas vejamos então outro caso. Ainda em 2009 produzi uma série de reportagens mostrando as mazelas do crack em Santa Cruz. Percorri a cidade, entrevistando usuários da droga e familiares. Deparei-me com relatos chocantes e os publiquei. Um deles era de um jovem que trocou os móveis, eletrodomésticos e até as aberturas da casa da família pela droga. Outro era de uma jovem que, tendo apostado nos furtos para manter o vício, foi presa sete vezes em dez dias, em fevereiro daquele ano. E teve também o caso de uma menina que, em situação parecida, tornou-se garota de programa e engravidou de um cliente. Ao final da série, um leitor me telefonou com uma pergunta curiosa: 

– Ricardo, eu e meus amigos estamos intrigados. Essas histórias … são todas inventadas, né? 

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Esclareci que não. Expliquei que o papel dos jornais é publicar notícias e histórias verdadeiras – principalmente no caso dos jornais sérios, como a Gazeta. Mas a reação daquele leitor me intriga até hoje. Talvez por mostrar que as mazelas da drogadição são tão absurdas e dolorosas que, diante delas, se torna bem mais fácil acreditar na existência de um túnel escavado sob a Marechal Floriano.

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