– Não sei se peguei o trem certo, mas aqui estou e não é mais possível voltar atrás.
Estamos em um almoço quase familiar. Os jornalistas da Gazeta do Sul e o anfitrião, um reconhecido executivo da indústria fumageira prestes a se aposentar. Depois de anos enfrentando e driblando a imprensa, resolvera se despedir com uma intimidade nunca revelada. Ficou de pé no meio de nós, uma serenidade nova no rosto, e disparou a frase em um misto de ironia e brincadeira. Aquilo nos toca, a maioria jovens em início de carreira com todas as pretensões e certezas que só a inexperiência permite.
Foi meio que um soco no estômago ouvir aquele homem cuja trajetória poderia ser considerada incontestavelmente um sucesso admitir que, talvez, pudesse ter sido mais feliz. Talvez, se tivesse escolhido outro rumo em algum momento crucial de sua vida. “O fato é que não sei. E nunca vou saber”, arrematou.
Publicidade
Voltamos para a redação conjecturando o que ele realmente queria ter sido. Político, professor, piloto de corrida, hippie tardio… músico. Seja o que for, guardou para si. Mas deixou em mim uma certeza: eu não iria chegar à velhice arrependida.
Desde muito cedo eu sabia que queria escrever. Aos 16 anos, na inscrição para o vestibular, driblei as expectativas e coloquei Jornalismo como primeira opção. Foi um escândalo. “Essa guria foi a Porto Alegre para ser médica e agora diz que quer ser jornalista.” Eu, que mentira em casa só para não me incomodar, paguei um preço alto pela ousadia. E, em absoluta consonância com a época e a obediência que se devia aos pais, fui proibida de fazer aquele vestibular. E tive que me candidatar a outro curso. “Qualquer um, desde que tenha futuro.” Jornalismo, lá na fronteira, era uma aventura ou falta de oportunidade. E de mim não se admitia nenhuma das duas.
Anos depois, eu concluía Agronomia com uma só certeza: aquela faculdade maravilhosa e profundamente humana havia me ensinado muitas coisas, dentro e fora da sala de aula. Mas para além das análises de solo, das lavouras, do cultivo adequado de frutas e das terríveis matemáticas, eu continuava sendo, apenas, uma pessoa que gostava de escrever.
Publicidade
Hoje meu dentista, que é também professor na universidade, comentava sobre a difícil tarefa dos jovens diante da escolha de uma futura profissão. Com tanta informação disponível, tantas possibilidades, decidir, para quem tem essa oportunidade, é quase uma loteria. Ainda mais aos 16 ou 17 anos. Meu dentista, que evidentemente é apaixonado pelo que faz, compreende que nem todos têm a clareza que ele teve na juventude. Que alguns precisam subir e descer do trem algumas vezes antes de tomar o rumo certo.
Quanto a mim, décadas depois do vestibular proibido e há anos no jornalismo, ouvi dos pais um pedido de desculpas. Haviam sido intransigentes e estavam arrependidos. Eu amava demais eles e disse que, claro, as desculpas não eram necessárias. Porque de fato não eram. Porque fazer Agronomia em uma universidade federal e viver o que eu vivi valeu muito a pena. Afinal, quem seria eu sem meus trens errados?
LEIA MAIS COLUNAS DO PORTAL GAZ
Publicidade
Quer receber as principais notícias de Santa Cruz do Sul e região direto no seu celular? Entre na nossa comunidade no WhatsApp! O serviço é gratuito e fácil de usar. Basta CLICAR AQUI. Você também pode participar dos grupos de polícia, política, Santa Cruz e Vale do Rio Pardo 📲 Também temos um canal no Telegram! Para acessar, clique em: t.me/portal_gaz. Ainda não é assinante Gazeta? Clique aqui e faça sua assinatura agora!
This website uses cookies.