O que salta aos ouvidos como uma inovação criada para melhorar a relação do ser humano com o ambiente na verdade já é um tema estudado há 182 anos. A energia solar fotovoltaica começou a se expandir no Brasil em meados de 2011, mas foi em 1839 que o físico francês Alexandre Edmond Becquerel descobriu o efeito fotovoltaico. Em 1883, originou-se a primeira célula fotovoltaica. Já no século seguinte, em 1905, foi descoberto o efeito fotoelétrico.
Contudo, somente no início deste milênio foram constituídos os primeiros sistemas fotovoltaicos conectados à rede, em países de primeiro mundo. A partir daí, a tecnologia passou a evoluir e chegou também a países de outros continentes, como o Brasil. O ano de 2011 foi marcado pelo crescimento de fábricas solares na China, que, devido à rápida expansão, fez com que instalações ganhassem o mundo todo.
Hoje, em pleno 2021, o Brasil vive uma crise hídrica decorrente da falta de chuvas, o que gera aumentos constantes na conta de energia elétrica. Além de ter como objetivo impactar de forma positiva no bolso do consumidor, a energia solar vem para reduzir os transtornos gerados à natureza, uma vez que se trata de uma energia limpa e de fonte renovável. Os benefícios trazidos pelo sistema são tantos que é bem visível – de forma literal, já que a cada dia é possível ver mais módulos em empresas e residências – que o mercado de energia solar tem se expandido.
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Meio rural aderiu
Produtores rurais têm buscado como solução econômica a instalação de placas de energia solar fotovoltaica. Prova disso é que, segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), entre 2018 e 2021, o número de usinas fotovoltaicas (UFV) na zona rural do Rio Grande do Sul cresceu 1.039%. Em 2018, eram 373 usinas, e neste ano o número já totaliza 4.250.
Foi em 2018, logo que começou a ouvir sobre o assunto, que o produtor rural Luiz Fernando Müller, de 58 anos, morador de Linha Pinheiral, em Santa Cruz do Sul, resolveu adquirir as primeiras placas. O financiamento, feito junto ao Banco do Brasil, será pago até 2028; no entanto, a economia que o sistema gera à propriedade já é suficiente para suprir o valor das parcelas. “Eu pagava de R$ 800,00 a R$ 1.200,00 por mês em conta de luz. No começo, eu zerei minha conta, mas aí eu coloquei mais uma estufa elétrica, um forno de ar. São dois motores a mais, e hoje estou pagando alguma coisa, mas no começo tinha mês que não vinha nada, só as taxas.”
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Criador de gado leiteiro e produtor de tabaco, Müller usa energia para eletrodomésticos da casa, mas também para a estufa de secagem do fumo e para equipamentos de resfriamento de leite. De acordo com o agricultor, a Emater-RS/Ascar deu muito incentivo. “Eles me ajudaram no projeto, porque o banco pede para colocar no papel como funciona, para o que se vai usar. Para mim, seria um investimento na propriedade”, complementa.
O extensionista rural da Emater e técnico em agropecuária Vilson Pitton comenta que a instituição é a responsável pelo encaminhamento dos produtores para que eles conheçam as linhas de crédito dos bancos. “Damos orientações sobre a questão dos financiamentos e procedimentos necessários para encaminhamento do projeto.” Conforme Pitton, os produtores que têm maior consumo são os que mais aderem ao sistema de energia fotovoltaica. “É o caso de produtores de leite, que têm a questão dos geradores para resfriador. No verão, principalmente, gastam mais energia elétrica, e os que têm estufa também têm custo muito alto, em especial agora, em época de colheita e secagem do tabaco.”
O ritmo é muito positivo em Santa Cruz, na região e no Rio Grande do Sul
Claro que não é apenas o agronegócio que se beneficia da energia solar. Empresas e residências também aproveitam a tecnologia e estão aderindo, cada vez mais, ao sistema solar fotovoltaico. O ano de 2011 marcou a expansão das fábricas solares chinesas, fato que proporcionou o crescimento das instalações em todo o mundo. Nesse ritmo, foi inaugurada a Solled Energia, uma das precursoras a trabalhar no ramo em Santa Cruz do Sul, no Vale do Rio Pardo e no Rio Grande do Sul.
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Agora, em 2021, a empresa completa dez anos de existência e comemora o crescimento contínuo ano após ano, mesmo em 2020, que foi marcado pela pandemia. “Não houve nenhum ano em que não crescemos. No ano passado, com a pandemia, tivemos crescimento mínimo, e redução de quadro de pessoal no início da pandemia, porque não podíamos instalar, viajar, atender. Logo depois voltamos a ter esse crescimento. Vínhamos com 42 funcionários, passamos a 24, e hoje estamos com 75 internos e 75 em campo. Ou seja, são 150 atendendo todo o Rio Grande do Sul e parte de Santa Catarina”, frisa a diretora da Solled, Mara Schwengber.
De acordo com Mara, que também é coordenadora estadual da Associação Brasileira de Energia Solar (Absolar), em Santa Cruz do Sul a utilização de energia fotovoltaica cresceu 48,72% entre 2020 e 2021, e na região o incremento foi de 51,03% no mesmo período. “Em Santa Cruz do Sul, tínhamos, até o fim do ano passado, 1.414 usinas. Hoje, a cidade é a quarta em potência instalada no Rio Grande do Sul, mas já foi a primeira. Agora, até o fim de setembro, Santa Cruz tem 2.103 usinas. Ou seja, só neste ano quase dobramos a capacidade”, explica a profissional. “Já no Vale do Rio Pardo tínhamos 3.732 e agora, em 2021, são 5.635. Nossa região sempre foi uma comunidade que acreditou e apoiou”, completa.
Ao observar a oportunidade de mercado, além da chance de trabalhar com sistemas autossustentáveis, surgiu em 2017 a Afubra Solar. “Estamos atuando nos três estados do Sul, oferecendo essa linha de produtos, não somente ao público da área rural, mas ao urbano também. Com o passar do tempo se desenvolveram outras áreas, tratamos também a parte de irrigação, e aí se tem esse modelo no qual o produtor não precisa necessariamente da concessionária de energia, ele pode armazenar em baterias”, destaca o gerente de Eficiência Energética da Afubra Solar, Eliéser do Prado Bastos. “Estamos evoluindo como mercado e tentando trazer sempre a melhor tecnologia e o melhor custo-benefício para nosso associado e para os clientes.”
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Ana Nery hoje ostenta a maior usina em estrutura hospitalar do Brasil
Está situada em Santa Cruz a maior usina de geração de energia solar em estrutura hospitalar do Brasil, composta por 2.429 painéis solares, que geram 817,94 kWp de potência instalada. Todos esses equipamentos estão no Hospital Ana Nery, que já economizou mais de R$ 1,3 milhão em contas de luz desde 2018. “Nos sentimos gratificados em termos o privilégio de possuir a maior usina de produção de energia solar do Brasil, gerando economia de recursos, que podem ser utilizados em outras necessidades, principalmente no momento atual”, afirma o diretor executivo do hospital, Gilberto Gobbi.
O Ana Nery contou com a parceria da Sicredi Vale do Rio Pardo, cooperativa que concedeu o financiamento, e da Solled Energia, responsável pelo projeto. Ainda segundo a direção, a casa de saúde busca alinhar suas ações com a preservação do meio ambiente e, com a oportunidade de investir na usina solar, o hospital se torna ainda mais sustentável. “Com a economia financeira gerada, e com a certeza de estarmos cumprindo nosso papel ambientalmente responsável, podemos dizer que é uma solução eficiente, conforme primamos em nossa gestão hospitalar”, frisa Gobbi.
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Marco regulatório
Em 18 de agosto, foi aprovado na Câmara dos Deputados, com 476 votos a favor e três contra, o marco legal da geração distribuída. O texto seguirá para ser votado no Senado Federal. O PL 5829/19 abre as portas para que os consumidores possam produzir a própria energia utilizando fontes renováveis.
Mara Schwengber, coordenadora estadual da Absolar, diz acreditar que o projeto seja aprovado ainda neste ano no Senado. “O ponto principal é dar segurança jurídica para quem já tem. Hoje, a compensação é feita de um para um; ou seja, eu gero um quilowatt e compenso um. Quem já tiver o sistema instalado ou encaminhar o projeto em até 12 meses após a publicação da lei terá seu direito adquirido até dezembro de 2045. E esse era o grande objetivo, os 25 anos de direito adquirido para quem já tem e para quem for fazer nos 12 meses seguintes à publicação da lei”, explica.
Sicredi tornou-se exemplo de estímulo a essa tecnologia em toda a região
Das 108 cooperativas do sistema Sicredi no Brasil, a Sicredi do Vale do Rio Pardo foi a primeira que, em 2017, criou uma linha de financiamento, além de realizar ações de fomento e de estímulo à implantação de energia fotovoltaica, mostrando o protagonismo da região no assunto. O presidente da Sicredi Vale do Rio Pardo, Heitor Álvaro Petry, comenta que o trabalho surgiu com objetivos como agregar renda para o associado, já que é um investimento que se paga por si só, e pela importante contribuição ambiental que a tecnologia representa. “Outro fator é o fortalecimento da economia local. Começamos a operar com uma empresa e hoje operamos com mais de 60. Tínhamos a clara visão de que isso poderia impulsionar a geração de negócios, de emprego, de renda e, inclusive, de tributos ao município. A cooperativa não estava vislumbrando ter uma rentabilidade, mas sim estimular, e a nossa região acabou se destacando nacionalmente”, enfatiza Petry.
Além de possuir uma linha de crédito para a instalação do sistema fotovoltaico, a Sicredi Vale do Rio Pardo tem a própria usina de energia solar, que abastece a sede e mais 15 agências da região. Para acessar a linha de crédito, é necessário ser associado à cooperativa ou realizar abertura de conta. “Para aprovação, basta encaminhar o orçamento do projeto e a documentação de comprovação de renda e residência à equipe de negócios das agências. Após aprovação de crédito, se faz necessária a apresentação da nota fiscal para comprovação do investimento”, explica o presidente. “É importante destacar aqui a origem dos recursos para este financiamento sustentável. Eles são captados por meio de depósitos de associados daqui, constituindo um ‘fundo verde’ na nossa região”.
É possível parcelar em 120 meses para pessoa física e jurídica, e 180 para indústria. De acordo com a característica do projeto, é possível conceder carência de até seis meses. “Em muitos casos, dependendo do prazo da operação, é possível que a parcela seja até menor que o valor da fatura de energia elétrica”, complementa Petry. Além disso, a parcela precisa se adequar à capacidade de pagamento do associado. A análise de crédito respeita critérios técnicos e pode exigir a adição de garantias, dependendo da necessidade. Também é possível adequar a periodicidade do pagamento das parcelas à atividade principal do associado. Dessa forma, o agricultor, por exemplo, pode parcelar o investimento em até dez safras.
ENTREVISTA
Fabiano Ferreira
Engenheiro eletricista, gestor do Setor de Engenharia e professor do Departamento de Engenharia,
Arquitetura e Computação da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc)
Gazeta do Sul – O que a energia solar representa para a sustentabilidade?
Fabiano Ferreira – A energia solar é considerada uma fonte de energia renovável, pois a luz solar, utilizada no processo de geração de energia elétrica, se renova diariamente em todo amanhecer, fornecendo uma energia de forma renovável, limpa e sem gerar grandes impactos ambientais. Diferente de fontes finitas, como o carvão e o petróleo, que, em seu processo de queima dos combustíveis, geram gases que afetam diretamente o meio ambiente.
E o que representa em questão de economia?
Os sistemas de geração de energia fotovoltaica podem trazer uma economia significativa nas faturas de energia, que a cada dia ficam mais caras em função da crise hídrica que assola o País atualmente. É importante ressaltar que, por mais que você consiga gerar toda a sua energia, sempre terá um valor a ser pago mensalmente para a distribuidora de energia. Para consumidores residenciais e comerciais ligados na baixa tensão (127 V, 220 V ou 380 V), há um valor referente ao custo de disponibilidade do sistema elétrico, que varia de acordo com o tipo de ligação (monofásico, bifásico ou trifásico) e a diferença do ICMS, que é isento da Tarifa de Energia (TE), mas que é cobrado na Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD). Quem possui sistemas fotovoltaicos instalados pode ver em suas faturas que o valor da TUSD no consumo é um pouco maior do que o valor da TUSD que é injetada; ou seja, o valor da energia injetada será um pouco menor que o valor da energia consumida. Isso se deve a essa diferença na cobrança do ICMS. A economia na fatura de energia depende de diversos fatores além destes já citados, mas, em sua maioria, fica na faixa de 70% a 90%.
Como funciona o esquema de compensação na rede elétrica?
O sistema adotado no Brasil é o Net Metering, que, em resumo, consiste na medição de toda a energia que é consumida ou injetada na rede. A energia que é injetada na rede da distribuidora é devolvida em forma de créditos de energia, que podem ser usados em até cinco anos.
Qual o prazo de validade das placas de energia solar e qual o destino adequado delas no futuro?
A maioria dos fabricantes de módulos solares concede garantia de 25 anos, assegurando uma eficiência na ordem de 80% até o final deste período. Ou seja, o módulo não irá parar de funcionar depois de um determinado tempo; ele simplesmente irá diminuindo a sua potência de geração a cada ano, chegando a 80% de sua geração em 25 anos. Como essa tecnologia evolui rapidamente, é possível que antes dos 25 anos seja mais econômico trocar ou complementar o sistema com novos módulos. Os módulos são compostos em sua maioria por materiais recicláveis; então, assim como outros equipamentos eletrônicos, podem ser reciclados.
Em quanto tempo quem adere à energia solar começa a sentir a economia?
A economia já é percebida na fatura de energia logo no primeiro mês depois que o sistema é homologado na distribuidora de energia. Já o retorno financeiro depende muito do perfil de consumo, mas a maioria dos sistemas costuma se pagar em quatro ou seis anos. O que é um excelente investimento do ponto de vista econômico.
Até que ponto vale a pena para o cidadão comum?
Depende muito do perfil de consumo, do tipo de ligação da residência e se há área sem sombreamento disponível para a instalação do sistema. Cada caso deve ser analisado de forma individual. Mas para a maioria dos consumidores residenciais, o sistema é sim um bom negócio. Mesmo que o consumidor não tenha o dinheiro para investir, há diversas linhas de financiamento com taxas de juros atrativas, onde a parcela mensal pode ser paga com a economia gerada pelo sistema fotovoltaico. Contudo, reafirmo que é necessário um estudo caso a caso, para não comprar gato por lebre.
Há restrições para a instalação?
Sim, há diversos fatores técnicos que podem restringir uma instalação fotovoltaica. Em resumo, é impreterível que a entrada de energia e o sistema elétrico onde a geração será instalada atendam às normas técnicas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e também da distribuidora de energia. O local também interfere; o ideal é instalar os módulos onde há predominância de sol. Instalar os módulos em um local onde há muita sombra irá diminuir consideravelmente a produção de energia. A capacidade da rede, tanto da residência ou da empresa quanto da distribuidora de energia, também deve ser compatível com a geração fotovoltaica que se pretende instalar. Caso não seja, será necessário primeiro adequar a rede para depois instalar o sistema fotovoltaico. Um sistema fotovoltaico, por mais simples que pareça, continua sendo um gerador de energia e, portanto, deve ser projetado e instalado por técnicos qualificados, habilitados e capacitados para esse fim.
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