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série - parte 1

O sequestro: 78 horas de terror em poder dos criminosos

O mês de maio de 1994 foi atípico em Santa Cruz do Sul e no País. Com grande entusiasmo, o município, que era governado pelo então prefeito Edmar Hermany e na época tinha 94.925 habitantes, ainda comemorava o título nacional de basquete da Pitt Corinthians, conquistado em 17 de abril no Ginásio Tesourinha, em Porto Alegre, contra o Franca. Mesmo semanas depois, as festividades em clubes da cidade reunindo jogadores, comissão técnica, diretoria e políticos marcavam espaço na coluna social da Gazeta do Sul.

Ainda no mundo esportivo, a morte de Ayrton Senna em 1º de maio gerou grande comoção no País, que teve a esperança renovada com a convocação da Seleção Brasileira, em 10 de maio, para a Copa do Mundo, em título que seria dedicado ao piloto brasileiro. Na mesma época, em 9 de maio, o presidente Itamar Franco anunciava uma nova moeda, o real, que prometia estabilizar a economia nacional.

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Enquanto muitos dos acontecimentos que marcariam nossa história se desenrolavam sob os olhos de todos, uma ocorrência sem precedentes transcorria de forma oculta. Considerado o único caso do tipo já registrado na história de Santa Cruz do Sul, o “sequestro do Zambinha”, como ficou conhecido o crime cometido contra o universitário Alexandre de Paula Dias, marcou a crônica policial local e a vida da vítima, familiares, investigadores, jornalistas e até do próprio autor do crime.

Em 78 horas, entre as 21 horas de 3 de maio e as 3 horas de 7 de maio de 1994, Zambinha, como o estudante de 21 anos era conhecido na época, permaneceu vendado, algemado e acorrentado em uma árvore, no cativeiro montado pelos sequestradores na localidade de Cava Funda, no interior de Sinimbu.

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Por fim, foi baleado no peito e jogado em uma lavoura, onde permaneceu entre a vida e a morte por longas horas, até ser salvo. Enquanto isso, a polícia buscava pistas para elucidar o sequestro e uma negociação em dólares era feita por telefone entre a família da vítima e Teco, o líder do bando.

O drama da família

Para entender como o drama vivido pela família Dias acentuava-se ainda mais com o sequestro, é preciso voltar nos anos. Zambinha era o terceiro filho do diretor de marketing da multinacional Pioneer Sementes, Carlos Mariano Flores Dias, na época com 53 anos. O homem e sua esposa, Selma Conceição de Paula Dias, que tinha 55, haviam passado por mortes brutais de outros dois filhos, ambos vítimas de acidentes violentos.

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Em 24 de julho de 1986, Luciano de Paula Dias, o “Zamba”, de 17 anos, então estudante da Escola Técnica de Teutônia, passava férias em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, quando seu Volkswagen Gol colidiu com um caminhão carregado com areia. Ele morreu na hora. A família ainda se recuperava desse trauma quando, no dia 7 de dezembro de 1992, César de Paula Dias, de 27 anos, capotou seu Chevrolet Kadett no trevo de acesso a Ribeirão Preto, em São Paulo.

“Magro Dias”, como César também era conhecido, era representante da Pioneer na região de Uberaba, no Triângulo Mineiro, e deslocava-se no Kadett para a convenção nacional da empresa, em Santa Catarina. Ele não resistiu aos ferimentos e também faleceu.

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Mas o destino reservava mais um capítulo trágico para a família, iniciado em 3 de maio de 1994, quando Alexandre de Paula Dias não chegou em casa após a aula na Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc).

Uma prova de vida na edição da Gazeta

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Em 3 de maio de 1994, uma terça-feira, Alexandre de Paula Dias havia saído um pouco antes do intervalo da aula no primeiro semestre do curso de Economia da Unisc. O objetivo era chegar na lancheria antes da movimentação dos outros estudantes. Por volta de 21 horas, foi até seu Gol modelo GTS, cor cinza metálico, para pegar a carteira. Quando abriu o veículo, teve uma arma apontada para a cabeça e foi imobilizado por três sequestradores.

Zambinha foi até o seu Gol GTS, onde acabou surpreendido pelos sequestradores | Foto: Banco de Imagens

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Às 3 horas da madrugada de quarta-feira, 4 de maio, seu pai foi acordado por um telefonema que avisava sobre o sequestro. Os criminosos pediam US$ 200 mil (o equivalente hoje a cerca de R$ 1,033 milhão) e 10 milhões de cruzeiros (atualmente, pouco mais de R$ 3,6 mil) para liberar Zambinha. Exigiam ainda que a polícia e a imprensa ficassem de fora do caso, se não matariam o filho do executivo.

Por fim, informaram que o Gol utilizado por Alexandre poderia ser recuperado na divisa entre os municípios de Rio Pardo e Pantano Grande. Na madrugada, o pai de Zambinha foi até o local e encontrou o carro estacionado a 300 metros da BR-471. Na tarde de quinta-feira, 5 de maio, por volta de 14h30, aconteceu o segundo contato por telefone dos sequestradores com a família Dias.

Na madrugada de quarta, carro de Zambinha foi abandonado na divisa entre Rio Pardo e Pantano Grande | Foto: Banco de Imagens

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Queriam saber se Carlos Mariano já havia providenciado o dinheiro e fixaram para sexta-feira, 6 de maio, o prazo para pagamento do resgate. O pai de Zambinha disse que estava reunindo o valor, mas solicitou uma prova que mostrasse que seu filho estava de fato ainda vivo. Por telefone, o sequestrador garantiu que a prova de vida estaria na edição do dia seguinte da Gazeta do Sul.

Na sexta-feira, 6 de maio, por volta de 14 horas, o sequestrador ligou novamente e afirmou que a prova de vida se encontrava no Monumento à Mãe, ao lado do Quiosque, na Praça Getúlio Vargas. Junto à edição do jornal, havia um bilhete em que Zambinha contava onde havia estado com a família no domingo anterior, algo que só ele e familiares sabiam, e que Carlos Mariano havia questionado. No fim do texto, o filho pede para que seu pai atenda ao pedido de resgate e não utilize dólares falsos.

Na sexta, prova de vida foi deixada em monumento | Foto: Banco de Imagens

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Gravador e fitas cassetes com as instruções

Pouco antes das 22 horas de sexta-feira, os sequestradores voltaram a fazer contato, desta vez para orientar sobre a operação de resgate. Determinaram que Carlos Mariano colocasse o dinheiro em uma mochila e, com uma lanterna potente, fosse com sua caminhonete Toyota até Rio Pardo. Avisaram ainda que junto à última placa antes da ponte sobre o Rio Jacuí ele encontraria um gravador com fitas cassetes que revelariam os passos seguintes a serem realizados.

O prazo para chegar ao local era de 15 minutos. Embora tivesse ido o mais rápido possível, Carlos Mariano não encontrou facilmente o gravador. Depois de um tempo, localizou o eletrônico e ouviu a primeira fita. A gravação orientava que ele levasse a sacola até a outra extremidade da ponte (na direção de Pantano Grande), onde encontraria a segunda fita. O nervosismo e a escuridão criavam uma tensão sem precedentes para o executivo da Pioneer.

CASOS DE ARQUIVO:

Quando encontrou a segunda fita e a colocou no gravador, a mensagem dizia que ele deveria fazer um sinal com a lanterna ligada, colocar o gravador e as fitas dentro da sacola com o dinheiro e arremessá-la para baixo. Depois de seguir a instrução, Carlos voltou para casa, onde aguardou por notícias. Apreensivo para saber o que havia acontecido com seu filho, às 3 horas da madrugada de sábado, 7 de maio, o telefone tocou.

Carlos Mariano Dias levou mochila com dinheiro até ponte sobre o Rio Jacuí | Foto: Banco de Imagens

Para espanto e indignação da família, o sequestrador disse que a sacola com o dinheiro não havia sido encontrada. Carlos Mariano assegurou que havia seguido todas as orientações. No entanto, um dos autores do crime não se convenceu e desligou o telefone. Ainda na madrugada, o executivo da Pioneer foi novamente até a ponte sobre o Rio Jacuí, onde havia deixado a mochila. Depois de uma intensa procura, terminou por encontrar a bolsa intacta, perto de galhos.

CASOS DE ARQUIVO:

Tiro rente ao coração

Naquela madrugada, Zambinha foi colocado em um carro e levado até um local próximo da BR-153, em Cachoeira do Sul. Ao parar o veículo, os sequestradores soltaram as correntes dos pés do jovem e as algemas que lhe foram colocadas desde o dia do rapto, e disseram que ele estava livre. Quando iniciou o caminhar da liberdade, porém, levou um tiro à queima-roupa na altura do peito. A bala passou rente ao coração e perfurou o pulmão.

Alexandre caiu no chão e, mesmo sentindo muita dor, fingiu-se de morto. Deduzindo que ele tivesse de fato sido executado com o disparo, os sequestradores jogaram a vítima ao lado da rodovia, num barranco de aproximadamente cinco metros de altura, que dava para uma lavoura de arroz. Depois, os bandidos fugiram. Gravemente ferido, Zambinha passou a madrugada e a manhã de sábado agonizando, sem conseguir levantar-se para acessar a rodovia.

CASOS DE ARQUIVO:

Foi salvo por um trabalhador rural, que acionou a polícia e esta levou o jovem quase morto ao Hospital de Caridade e Beneficência (HCB) de Cachoeira do Sul, onde foi imediatamente submetido a uma cirurgia. Por volta de meio-dia de sábado, Carlos Mariano e Selma foram avisados de que seu filho havia dado entrada na casa de saúde. Ainda naquele dia, o baleado foi transferido ao Hospital Santa Cruz (HSC), onde passou por nova cirurgia no domingo, 8 de maio, Dia das Mães.

A partir da sobrevivência de Alexandre, a investigação do caso, que foi acompanhada de forma sigilosa desde o princípio pela Polícia Civil, iria se intensificar. Chefiada pelo delegado Lionir José Lemes da Silva e pelos inspetores Celso Esperidião e Paulo Calderaro, a apuração marcaria história ao indiciar pela primeira vez Carlos Fischer, o Teco, que na época era um eletricista de renome na cidade e prestava serviços de manutenção para empresas da região. Anos mais tarde, ele figuraria como um dos pioneiros em assaltos a carro-forte no Sul do Brasil.

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