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O senhor do basalto

Uma das maiores referências contemporâneas na escultura em âmbito de Brasil, mestre absoluto dessa arte, nasceu no Vale do Rio Pardo. Aos 83 anos, o venâncio-airense João Bez Batti Filho, há cinco décadas radicado no interior de Bento Gonçalves, é um dos principais nomes das artes visuais no País. Como lapidador, trabalha com uma matéria-prima das mais difíceis entre todas: a pedra basáltica.

A sua dedicação a essa área e a própria opção por esculpir esse recurso natural assemelham-se a um chamado do destino. É o que ele comenta em entrevista para o Magazine, concedida por telefone. Casualmente, a partir de São Paulo, onde se encontrava ao longo desta semana para orientar pessoalmente a organização de uma nova exposição, em galeria na capital paulista junto à qual suas peças são comercializadas há muitos anos.

Toda essa caminhada, até se tornar um artista amplamente conhecido e reconhecido no Brasil e no exterior, iniciou-se em Estância Mariante, onde nasceu, no dia 11 de novembro de 1940, filho de italianos por parte de pai e de luxemburgueses por parte de mãe. Seu pai, João Bez Batti, viera de Porto Alegre para trabalhar na abertura da atual RSC-287, e em Estância Mariante conheceu a futura esposa, Francisca. João cresceu ao lado das quatro irmãs mais velhas (Maria, Lurdes, Luiza e Anair), e depois nasceu o irmão Pedro Milton. Os cinco já são falecidos. Maria, a mais velha, casou-se em Venâncio Aires, de maneira que mantinham contato regular com essa cidade.

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Mas quando ele tinha 5 anos, seus pais decidiram mudar-se para a localidade de Volta dos Freitas, em General Câmara, distante em torno de 28 quilômetros de sua terra natal. Foi o que seu João define como um movimento do destino. Acontece que ali, à margem do Rio Taquari, ele continuou a sua infância agora lidando e brincando com seixos. Tomava contato pela primeira vez com o basalto, a matéria-prima que, anos depois, e já adulto, transformaria em obras de arte de apelo internacional. Antes, por volta dos 4 anos, ficara fascinado com um desenho que sua mãe havia feito.

Do ambiente familiar saiu aos 12 anos, em 1952, para estudar em Porto Alegre, no Colégio Dom Bosco. Anos mais tarde os pais também se mudariam para a capital. Ali sua vocação para o desenho, para as artes, se evidenciou para os professores. O resultado é que em 1959 foi parar no ateliê do mestre Vasco Prado (1914-1998). Múltiplo artista, natural de Uruguaiana, este pôde orientar o jovem Batti em habilidades como gravação, escultura, tapeçaria, ilustração e desenho.

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Em uma das visitas a familiares em Venâncio Aires, conheceu sua futura esposa, Maria Schirlei Ohlweiler. Casados (em Venâncio Aires) há 57 anos, depois se fixaram no interior de Bento Gonçalves, de forma sintomática naquele que hoje é o roteiro Caminho das Pedras. O casal tem os filhos Melissa, que mora em São Paulo, e Diego, desenhista e que atua ao lado do pai.

Da terra natal, Bez Batti guarda as lembranças de visitas a um cunhado, que era militar e atuava junto ao Quartel em Santa Cruz. “Íamos com alguma regularidade a Santa Cruz, e sempre gostei muito daí”, frisa. Além de a sua obra hoje ser conhecida e respeitada, disputada por colecionadores e apreciadores, e podendo ser apreciada no acervo de galerias e de museus, como o Museu de Artes do Rio Grande do Sul (Margs), sua trajetória já motivou inúmeros livros, nos quais estão detalhadas.

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Uma vida guiada pela emoção estética

O artista João Bez Batti Filho em vários momentos recorre a imagens quase poéticas para contextualizar a sua relação com a escultura, em especial com a lapidação da pedra basáltica. Que, no caso dos seixos, à margem do rio, opta por definir como esculturas feitas pela água, na própria natureza.

Ao mesmo tempo, diz acreditar firmemente que foi obra do destino conduzi-lo para essa área. Reforça que, quando tinha 4 anos, ficou fascinado com o desenho de um pato que sua mãe fizera, ainda em Estância Mariante. “Ali tenho certeza de que senti uma emoção estética, e esta nunca mais me abandonou”, salienta.

Mais tarde, deparou-se com o filho de um vizinho, que desenhava barcos que via no Rio Taquari. “Veja que mesmo naquele lugar tão afastado de tudo segui perseguido pelo desenho”, menciona. E salienta a importância dessa habilidade. “Hoje a arte está em decadência porque ninguém mais desenha. E o desenho é o amansa-burro para educar a vista, para enxergar melhor o mundo”, ressalta.

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Em outras palavras, estaria vocacionado para a arte. “Só acredito na vocação, e no Brasil parece que todo mundo está fora de vocação”, avalia. “A gente tem de lembrar sempre que o ser humano não mudou quase nada desde o tempo das cavernas, e que dedicar-se à área para a qual a gente é vocacionado é a via para a plena realização pessoal”, frisa. A exemplo de sua própria caminhada nas artes, se diz impressionado com a habilidade do filho Diego, que o acompanha no ateliê. “Ele é muito talentoso! Eu faço a maquete e ele ajuda a desbastar.”

Bez Batti menciona ainda que, quando residia em Porto Alegre, chegou a atuar junto aos Correios, pelos quais inclusive trabalhou por um ano em Venâncio Aires. E pelos Correios foi transferido para Bento Gonçalves, onde pretendia se fixar. Ali encontrou os seixos de cascalho, de basalto, no Rio das Antas, que constitui a nascente do Taquari.

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“Até hoje não sei onde nascem os cascalhos. Cada vez vão surgindo mais. E quando volto ao Rio Taquari, é minha volta à infância. Ali, não tenho 80 anos, tenho 9 ou 10, tamanha é a emoção desse reencontro”, define.

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Romar Behling

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