Carl (ou “Kalos”, como o chamavam) era o tipo paizão às antigas: poucas palavras, olhares penetrantes, relhaços quando os meninos passavam dos limites (ou melhor, quando conseguia alcançar os rápidos “Kuris” pelos fundos da casa, da cozinha velha, dos galpões, dos capões e capoeirões que adentravam as lavouras, até onde precisassem fugir, e voltar só quando baixasse a poeira e a raiva da severa autoridade, chegando então de mansinho, por trás da cadeira da mãe ou da tia, na mesa já posta para a noite).
Havia coisas que o rígido Carl não suportava e ai de quem não respeitasse. Se vinha visita de adulto, criança não podia ficar no ambiente onde era recebida. O chefão da casa apenas lançava seu olhar fulminante, acompanhado de virada de cabeça, que não deixava dúvida: some já daqui e vai procurar outra coisa a fazer, pois para ele os mais novos não estavam preparados para ouvir as conversas dos mais velhos, por mais que o novato encostasse os ouvidos nas portas, louco de curiosidade, curiosidade que o levaria mais adiante a ser exatamente jornalista.
Na hora sagrada da sesta, uma hora pelo menos após o meio-dia, não podia ser solto nenhum pio mais alto que caísse nos ouvidos sensíveis e nervosos do seu Carl. Senão, a reação era séria e sujeitava os infratores mirins a sofrer alguns danos nas costas e partes mais expostas que pudessem ser alcançadas por um relho ou uma cinta.
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Se algum rebento ousasse desobedecer alguma ordem, a mão forte e comprida do seu Carl era resposta certa. Até uma eventual perda de troco de dinheiro dado para uma compra na bodega era cobrada com severidade, fazendo o “Kuri” andar e reandar pelo mesmo caminho para encontrar o suado e zelado “Geld”, tirado com muito sacrifício do trabalho da roça.
Mas havia também o Carl bondoso. Com a mesma cara séria de sempre, dizia ao filho mais novo na sexta-feira após a sesta: “Macht dich fertig. Wir fahren in die Vila” (Te apronta, nós vamos para a Vila). Eu tinha que acompanhá-lo na ida semanal com a brilhante Rural Willys à sede distrital de Monte Alverne, para as compras tradicionais na Ferragem Geller, o reabastecimento na Farmácia Weiss de remédios para o aparelho digestivo afetado por úlcera nervosa, a revisão do carro no Schlosser e Kist, e alguns agrados pessoais (para ele, e para o companheiro mirim da viagem, caramelos e uma gasosa…).
Mas o “Kuri” queria acompanhar o pai também nas eventuais chamadas que recebia para levar algum doente para o hospital à noite, o que o zeloso protetor não permitia. Mesmo assim, em uma ocasião, o menino deu um jeito de andar no para-choque traseiro, pelo menos por um pedaço, antes de chegar à casa do vizinho adoentado, mas somente até seu Carl descobrir e vociferar com firmeza: “Dummer Kuri! Das machts du nie wieder! Das ist einmal passiert. Nicht zweimal! Und jetzt direkt nach Hause!” (Guri bobo. Nunca mais faça isso. Isso aconteceu uma vez, não duas. E agora direto para casa!). Era a ordem, rigorosamente obedecida.
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Era também o recado claro e definitivo de que ações tão despropositadas não poderiam se repetir, sob pena de consequências nada boas no tribunal paternal daqueles tempos. Era como se dissesse ainda, sem precisar falar, apenas com seu semblante rígido: o respeito é bonito e eu gosto!
(Homenagem ao rigoroso pai nos tempos de infância pelos idos de 1960, que não consta, mas poderia estar no livro Carl & Ciss – Crônicas da Alemã, disponível na Casa de Clientes Gazeta ou na Livraria Iluminura.)
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