A população do Rio Grande do Sul ainda busca assimilar, algo cambaleante e incrédula, como ocorreu e o que significa a enchente que dizimou cidades, patrimônios, vidas. Não há parâmetro recente (não para as atuais gerações, sempre deslumbradas com brinquedos tecnológicos) para tamanha catástrofe. Acostumamo-nos a ver, na TV ou na internet, estragos parecidos verificados em outros recantos do planeta. Mas quando tudo se presentifica, se torna palpável e doloroso, a maneira como vivemos e lidamos com o meio ambiente nos esbofeteia o rosto.
É com esse cenário que a população gaúcha se confronta ao longo dos últimos dias, em meio ao esforço de resgatar milhares de pessoas em todas as regiões diretamente afetadas pela enchente. Em paralelo, inicia-se o duro, delicado e, sem dúvida, longo processo de contabilizar danos e perdas. Destas, as de vidas humanas e de animais, como sempre ocorre, são irreparáveis. Mas muitas das demais, diante do desaparecimento da infraestrutura montada ao longo de toda uma vida por famílias, tornam-se do mesmo modo difíceis de restabelecer ou reconstituir. É começar de novo, do zero, e tentar se reerguer.
Nesse quesito, o Rio Grande do Sul tem dado um exemplo gigante de solidariedade, com o envolvimento de milhares de pessoas em todas as frentes, no resgate, no amparo, no socorro e no cuidado com as vítimas. A elas unem-se comunidades do Brasil inteiro, que angariam donativos e os encaminham ao Sul.
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Para lástima, não se vê o mesmo empenho e a mesma agilidade justamente dos que zelam por serviços essenciais. Pelo visto, para estes tudo continua sendo apenas o que era: um negócio. A começar por estradas e rodovias, as quais facilitariam o socorro e a ação de solidariedade (que assim precisa vir pelo ar), nessa lentidão com que são tomadas decisões (mais do que elas, medidas reais, imediatas). A impressão que se tem é que medidas estão sendo tomadas longe, longe (num mundo ideal), e num ritmo jamais em sintonia com a angústia e a necessidade da região.
Em meio ao caos, também se passa a debater a suposta volta a um cenário dito normal. Mas normal para quem? E que normal? O normal de antes da enchente? Como será ser o normal de quem perdeu tudo? Ou o normal que se defende e pelo qual se implora é o conveniente, o conivente, dos que nada perderam, que sempre se beneficiaram e sempre exploraram a natureza, e não veem a hora de que tudo seja agilizado para que prossigam na exploração? De que normal falaremos? Do normal dos que sempre ganharam, ou do normal dos que perderam tudo? Do normal da agressão desenfreada ao meio ambiente, no campo e na cidade, até um ponto em que ela reage? Ou de um normal em que, finalmente, se chamará à responsabilidade os que fazem da devastação ambiental sua tarefa predileta de cada dia?
É algo que, coletivamente, a região e o Estado terão de debater.
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