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Conversa Sentada

O que queres comer?

“Was willst Du essen?”.

Essa era a primeira coisa que minha mãe dizia quando eu chegava de visita, qualquer que fosse o horário: o que queres comer?

Depois que saí de Santa Cruz aos 17 anos, procurava visitar meus pais ao menos uma vez por mês.

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Saía sábado cedo, ficava todo tempo na casa paterna e retornava depois do meio-dia aos domingos.

Aos 21 anos consegui comprar um DKW usado.

Mais tarde, ao assumir o cargo de Juiz de Direito em Horizontina, as visitas ficaram mais espaçadas.

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Por vezes chegava estafado, empoeirado, mareado, ansioso por um banho e uma cerveja no bico mesmo. Não adiantava. Eu era obrigado a comer alguma coisa: cuca, sonho, torresmo, torta, ovo frito, linguiça, resto de galinhada, enfim: era extenso o cardápio da mãe superprotetora daquele tempo. Só depois de ser bem alimentado ela contava as novidades. Meu pai aproveitava o ensejo para abrir uma cerveja, o que fazia minha mãe franzir as sobrancelhas.

Ela era de compleição mais forte que meu pai e para ela, mulher bonita era aquela quase gordinha. Associava a magreza com falta de alimentação.

Quando eu ia embora, minha mãe lacrimejava e seus olhos ficavam ainda mais azuis.

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Com o tempo comecei a ligar as coisas.

Ao ser convidado por amigos para almoçar, muitas vezes ouvi a seguinte frase: “Ruy, vem na nossa casa domingo ao meio-dia, vai ter muita carne, bastante comida!”

Não me importava se a carne era quase crua ou queimada. Fui entender, na minha juventude, o valor que tem a comunhão, comer juntos. Só bem depois me flagrei que a comunhão com amigos vale muito mais que o próprio alimento.

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Certo dia, estando na Itália, embarquei num trem. Algumas estações depois entrou um senhor já de alguma idade e sentou ao meu lado. Pouco depois abriu um farnel dentro do qual estava um garrafão de vinho e um baita pão caseiro. Colocou isso sobre os joelhos, partiu um pedaço de pão com as mãos, e me alcançou dizendo: “mangia che te fa bene” (come que vai te fazer bem). Em seguida abocanhou outro pedaço para si. Após mastigar, pegou o garrafão de vinho e tomou um sorvo seguido de um arroto de satisfação e prontamente me alcançou a bebida. Aceitei com alegria. Só então me perguntou se eu era” tedesco” (alemão). Não queria acreditar que eu era brasileiro.

Mostrei-lhe meu passaporte. Aí sim, o italiano se abriu num largo sorriso. Levantou-se do assento e fez um arremedo de dança: Pelé, carnaval, mulheres lindas.

Naquele tempo, o Brasil era idolatrado pelo mundo inteiro.

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Eu disse: “in illo tempore”.

Agora, não saberia dizer…

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