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O que pode mudar com o chamado “distritão”

A menos de um ano e meio da volta às urnas, uma alteração na legislação eleitoral que já foi rejeitada duas vezes pelo Congresso Nacional retorna à pauta e, desta vez, com mais força: o chamado distritão. O sistema, que divide opiniões de políticos e especialistas, afetaria a forma como vereadores e deputados são eleitos no país.

Pelo modelo, nas eleições para câmaras de vereadores, assembleias legislativas e Câmara Federal, seriam eleitos apenas os candidatos mais votados – diferente do que ocorre hoje, em que os partidos precisam alcançar uma votação mínima para que seus candidatos conquistem mandatos. Se aprovado, o que precisa ocorrer até outubro para valer em 2022, o impacto sobre os pleitos seria grande: na Câmara de Santa Cruz, por exemplo, dois dos 17 vereadores eleitos em 2020 não entrariam pela regra. Já na Assembleia gaúcha, 11 parlamentares eleitos em 2018 teriam ficado de fora.

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A mudança é defendida como forma de evitar distorções comuns no sistema eleitoral, como candidatos com votações expressivas que não são eleitos. Além disso, a regra se tornaria de mais fácil compreensão para o eleitorado. “Como a população vai entender que votou em um candidato, ele ficou entre os mais votados e não entrou? Duvido que alguém saiba como é feito esse cálculo hoje”, critica o deputado federal gaúcho Giovani Cherini (PL), um dos apologistas do distritão.

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De acordo com Cherini, que considera o atual modelo proporcional “muito injusto”, a alteração evitaria que candidatos fossem usados pelos partidos somente para somar votos e também que candidatos com pouca votação se elegessem na carona de outros. Para ele, trata-se de uma discussão “inevitável” já que, com a proibição das coligações nas proporcionais, há risco de muitos partidos minguarem a partir do próximo ano. “Não podemos voltar a ser MDB e Arena. Se continuar assim, vamos ter só dois ou três partidos no Brasil”, coloca.

Mas especialistas veem risco de o distritão favorecer o personalismo em detrimento dos partidos, o que estimularia ainda mais o ingresso de figuras populares na política, como celebridades. Para a advogada e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), Marina Morais, o principal problema do modelo é o “desperdício de votos”. “Quando você vota no sistema proporcional, todos os votos são aproveitados na legenda. No distritão, todos aqueles votos dados aos candidatos não eleitos são perdidos”, analisa.

Segundo Marina, a lógica do sistema proporcional é assegurar a representação dos diversos interesses da sociedade, mesmo que não sejam majoritários. “No sistema proporcional, caso um deputado deixe o mandato, ele é substituído por um suplente de seu partido. Já no distritão, o substituto seria o próximo candidato mais votado, que pode ter uma posição política completamente diversa do ocupante anterior da vaga, o que gera uma perda de representatividade”, observa.

ENTENDA

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  1. Como funciona hoje?
    Diferente do que ocorre nas votações para prefeito, governador, senador e presidente, nas quais vence o candidato que obtiver o maior número de votos (o chamado sistema majoritário), vereadores, deputados estaduais e deputados federais são eleitos pelo sistema proporcional. As vagas são preenchidas de acordo com a votação obtida pelo partido. Assim, independente da votação individual do candidato, a sua eleição depende de a sigla obter um número mínimo de votos (o chamado quociente eleitoral).
  2. É possível um candidato estar entre os mais votados e não se eleger? Sim, e acontece com frequência. Em 2020, por exemplo, Ari Thessing (Cidadania) foi o 8º candidato a vereador mais votado em Santa Cruz, mas não se elegeu porque seu partido não alcançou o quociente eleitoral. Em 2008, houve um caso emblemático no município: o segundo vereador mais votado, Elo Schneiders, ficou de fora porque seu partido à época, o PSB, não atingiu o número mínimo de votos.
  3. O que mudaria com o distritão? A eleição para esses cargos passaria a ser majoritária, como as demais. Por essa regra, se elegem os mais votados, independente da votação dos demais candidatos do partido. Assim, se existem 17 vagas para vereador, serão eleitas as 17 pessoas que tiveram mais votos.

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Sistema fica “vulnerável”, diz deputado
Contrário ao distritão, o deputado federal santa-cruzense Heitor Schuch (PSB) entende que o modelo “privilegia celebridades e quem tem muita exposição em mídia e termina com os partidos”. “Em vez de você constituir uma chapa, uma nominata com 40 candidatos, os partidos vão terminar com dois ou três nomes”, observou.

Para Schuch, o distritão é uma estratégia para salvar legendas que, diante da proibição das coligações nas eleições proporcionais, devem enfrentar dificuldades para eleger deputados no ano que vem. “Viram, na eleição municipal, que partidos que não tinham uma nominata maior saíram mal. Para não acontecer a mesma coisa na eleição federal, estão achando outra alternativa.”

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O parlamentar acredita ainda que modificações na legislação às vésperas de um novo pleito tornam o sistema eleitoral “vulnerável”. “Antes da eleição municipal, teve mudança. Agora é para ter mudança de novo. Fica a nítida impressão de que é para favorecer esse ou aquele”, acrescentou.

Também procurado, o deputado Marcelo Moraes (PTB) disse que o assunto ainda será avaliado pela bancada de seu partido.

COMO FICARIA
A reportagem fez um exercício para verificar o que mudaria na composição da Câmara de Vereadores de Santa Cruz, na Assembleia Legislativa e na bancada gaúcha da Câmara dos Deputados caso o distritão já estivesse em vigor nas eleições de 2018 e 2020.
CÂMARA DE SANTA CRUZ – Dois dos atuais vereadores, Raul Fritsch (Republicanos) e Bruno Faller (PDT), não seriam eleitos. Fritsch foi o 20o mais votado, com 793 votos, enquanto Faller foi apenas o 28o mais votado, com 688 votos. No lugar deles, entrariam Ari Thessing (Cidadania), que foi o 8o mais votado, com 1.269 votos, e Hilário da Silva (PSD), que foi o 16o mais votado, com 838 votos. Com isso, o PSD teria três vereadores e seria uma das maiores bancadas da Câmara, ao lado do PTB e do PP. O Republicanos teria apenas uma cadeira e o Cidadania teria representatividade no Parlamento.
ASSEMBLEIA LEGISLATIVA – Onze dos 55 deputados eleitos em 2018 não entrariam: Dalciso Oliveira (PSB), Rodrigo Maroni (elegeu-se pelo Podemos, mas hoje está no PMB), Airton Lima (PL), Luiz Henrique Viana (PSDB), Luís Marenco (PDT), Zilá Breitenbach (PSDB), Eric Lins (DEM), Vilmar Lourenço (PSL), Capitão Macedo (PSL), Giuseppe Riesgo (Novo) e Fran Somensi (Republicanos). Lourenço e Macedo foram, respectivamente, o 90o e 91o mais votados, enquanto Riesgo foi o 100o e Fran foi a 105a . No lugar deles, entrariam como titulares: Pedro Ruas (Psol), que foi o 12o mais votado, Carlos Búrigo (MDB), Patricia Alba (MDB), Regina Becker (PTB), Marcus Vinicius Vieira de Almeida (PP), Stela Farias (PT), Comandante Nádia (MDB), Beto Fantinel (MDB), João Fischer (PP), Nelson Spolaor (PT) e Júlio Viero Ruivo (PP).
CÂMARA FEDERAL – Dois dos 31 deputados eleitos em 2018 não entrariam: Liziane Bayer (PSB), que foi a 33o mais votada, e Nereu Crispim (PSL), que foi o 46o mais votado. No lugar deles, entrariam Ronaldo Santini (PTB) e Ronaldo Nogueira, que concorreu pelo PTB mas hoje está no Republicanos.

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