Em um dos dias mais conturbados da política brasileira desde a posse de Jair Bolsonaro, uma das figuras-chave do atual governo, o popular ex-juiz da Operação Lava Jato, Sérgio Moro, demitiu-se do cargo de ministro da Justiça na sexta-feira. Ao anunciar a saída, Moro fez acusações graves, que colocaram dúvidas sobre o futuro do presidente e, na visão de especialistas, tornaram a hipótese de impeachment menos remota.
As especulações sobre a demissão de Moro começaram na quinta-feira, 23, após relatos de que ele estaria em rota de colisão com Bolsonaro por causa de uma suposta pressão do presidente pela substituição de Maurício Valeixo da função de diretor-geral da Polícia Federal. Moro falou no fim da manhã, horas após a exoneração de Valeixo ser publicada no Diário Oficial da União.
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Embora no decreto conste que a exoneração se deu “a pedido”, Moro afirmou que não assinou o decreto, que Valeixo não cogitava deixar o cargo e não havia “causa” para tirá-lo. Em um pronunciamento de 38 minutos, o agora ex-ministro afirmou que a substituição na PF violou um compromisso assumido pelo presidente quando convidou-o para ingressar no governo, de que teria “carta branca”, e alegou que a interferência “gera um abalo na credibilidade”, chegando a comparar o atual governo com as gestões petistas. “A despeito de todos os problemas de corrupção dos governos anteriores, não houve (interferência) no passado”, afirmou. Ainda conforme Moro, Bolsonaro teria manifestado intenção de ter na direção-geral da PF alguém “do contato pessoal dele”.
No fim da tarde, Bolsonaro negou interferência na PF. “Ora bolas, se eu posso trocar o ministro, por que eu não posso, de acordo com a lei, trocar o diretor da PF?”, questionou. O presidente disse ainda que teve de “implorar” para Moro investigar o atentado que sofreu durante a campanha eleitoral de 2018 e que a PF, sob o comando de Moro, “mais se preocupou com Marielle (Franco, vereadora do Psol assassinada)”.
O presidente alegou que Valeixo estava “cansado” e “desde janeiro queria sair”. Afirmou ainda que Moro teria concordado com a substituição, mas condicionado isso à sua indicação para uma vaga no Supremo Tribunal Federal.
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Com informações da Agência Brasil.
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QUATRO PERGUNTAS
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Para analisar o impacto e possíveis repercussões políticas do desembarque de Moro do governo Bolsonaro, ouvimos os cientistas políticos Paulo Moura e Rudá Guedes Ricci e o advogado e colunista da Gazeta Astor Warchow. Confira.
O que representa para Bolsonaro, em termos de capital político, o desembarque de Sérgio Moro?
Os analistas concordam que o episódio tem potencial para rachar a base de apoio social de Bolsonaro, o que já se evidencia em grupos de simpatizantes do presidente na internet desde a sexta-feira. Para Wartchow, porém, o apoio de Bolsonaro já vinha se fragilizando devido às suas declarações polêmicas e ele ainda tem condições de manter seu eleitorado fiel por meio da agenda econômica e do discurso antiesquerdista. “Sérgio Moro abala, sim, a solidez deste governo. Abala, mas não derruba”, disse. Na mesma linha, Moura acredita que o presidente pode minimizar os danos se apoiar a PEC da autonomia da Polícia Federal e indicar um nome forte para substituir Moro.
Como o episódio atinge o discurso anticorrupção que ajudou a eleger Bolsonaro?
Para Ricci, o rompimento com Moro abala a imagem de “não político” que é vendida por Jair Bolsonaro. Segundo ele, porém, isso já vinha ocorrendo com outros movimentos recentes do presidente, como as aproximações com Roberto Jefferson, condenado por corrupção, e com o chamado baixo clero do Congresso Nacional. Na mesma linha, Moura acredita que o episódio “no mínimo cria um forte arranhão na imagem do presidente”.
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As chances de impeachment aumentam com as acusações de Sérgio Moro?
Na visão de Moura, diferente dos pedidos de impeachment protocolados até agora, as acusações de Moro oferecem à oposição uma base consistente para avançar com um processo. No entanto, ao afirmar em seu pronunciamento que Valeixo teria aceito a demissão a pedido, o presidente, na avaliação do especialista, deu “uma resposta consistente”. Ricci também enxerga um cenário favorável ao impeachment, mas pondera que, por se tratar de um processo longo, Bolsonaro dispõe de tempo para negociar com o Congresso ou mobilizar sua base mais fiel. Já Wartchow não crê na queda do presidente, já que “o Parlamento está totalmente desacreditado”. “O Parlamento tem medo do expressivo apoio popular que Bolsonaro ainda detém, mesmo com a saída de Moro”, observou.
Qual pode ser o futuro de Moro?
A tendência é que a opinião pública se divida em relação a Sérgio Moro. Moura observou que, além de sofrer críticas de bolsonaristas, ele não tem a simpatia da esquerda. Embora seja apontado como um possível candidato a presidente em 2022, os analistas consideram prematuro avaliar se ele crescerá politicamente a partir de agora. Para Ricci, por exemplo, Moro corre o risco de perder visibilidade em meio aos desdobramentos da pandemia do novo coronavírus, que devem se estender por todo o ano.
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Apoiadores: “Seguimos com nosso capitão”
Após o pronunciamento de Bolsonaro, integrantes de grupos de simpatizantes do presidente em Santa Cruz divulgaram uma manifestação na internet na qual afirmam que vão manter o apoio a ele. “Sérgio Moro, desculpe, mas eu votei em Bolsonaro. Soldados ficam pelo caminho mas seguimos com o nosso capitão”, diz o texto, que ainda afirma que troca de ministros “sempre foi normal”. “Temos certeza que a vaga será preenchida por alguém tão qualificado quanto o ex-ministro Sérgio Moro.”
Um dos apoiadores, o empresário Júlio Arruda disse que o discurso do presidente foi “muito bem recebido” e o apoio a ele está “mais forte”. Sobre a acusação de interferência política na PF, alegou que Bolsonaro “tem o direito de saber o que se passa” no órgão. Para Arruda, as conversas a respeito de impeachment são “apenas especulação”. “O presidente nos passou confiança”, ressaltou.
Aliado de primeira ordem de Bolsonaro, o senador candelariense Luis Carlos Heinze (PP) divulgou nota na sexta-feira à noite na qual elogiou a atuação de Moro à frente da Justiça e lamentou a sua saída, mas afirmou que “mudar peças faz parte da política”. “Nosso projeto está aí e nada como o tempo para cicatrizar feridas e trazer luz aos fatos. Vamos em frente pelo bem dos brasileiros”, escreveu.
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Especialista diz que há elementos para impeachment
Para o professor de Direito Constitucional da Unisc, Ricardo Hermany, existem elementos jurídicos para a abertura de um processo de impeachment contra Jair Bolsonaro no Congresso. Segundo ele, a situação relatada por Sérgio Moro, de suposta interferência política na condução da Polícia Federal, pode ser enquadrada como crime de atentar contra o livre exercício do Ministério Público, o que configura crime de responsabilidade. “Isso porque a atuação da Polícia Federal se articula com a atividade do Ministério Público, haja vista a realização do inquérito policial que dará suporte ao oferecimento ou não de denúncia”, explicou.
Hermany pondera, no entanto, que o processo de impedimento depende não apenas de fatores jurídicos, mas também de legitimidade política. “Por isso não se pode afirmar de antemão que será autorizada sua abertura.” Para iniciar um impeachment, é preciso que uma entidade ou cidadão entre com um pedido e este seja autorizado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). O julgamento final ocorre no Senado.
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