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Literatura

O que o patrono tem a dizer: confira entrevista com o escritor Leonardo Brasiliense

Não é de hoje que a relação do escritor Leonardo Brasiliense com Santa Cruz do Sul é afinada – e, sem dúvida, de mútua admiração. E se ela já era estreita, em 2019 promete firmar-se a um ponto definitivo. Pode-se dizer que os leitores da região caíram nas graças de Leonardo, e que este caiu nas redes (termo tão em voga nesses tempos digitais) dos leitores.

A razão é simples: ele foi anunciado em maio como patrono da 32ª Feira do Livro de Santa Cruz, cujo slogan é, justamente, “Literatura em rede”. O curioso é que, a par desse mote, e da sugerida proposta de reflexão sobre o fazer literário e a divulgação literária em mídias sociais, Leonardo está entre os autores que, digamos, deram um tempo na conexão: preferiu recuar da presença em páginas de interação, que andavam ocupando por demais seu tempo, como refere. E decidiu ocupar esse tempo com o quê? Leitura, claro!

Aos 46 anos, esse gaúcho nascido em São Gabriel e que, ao lado dos pais, residiu em diversas cidades do Estado desde menino, fortalece assim seu vínculo com Santa Cruz. Por aqui morou por cerca de três anos, entre novembro de 2007 e janeiro de 2011, quando, na companhia da esposa Lucinara, natural de Sobradinho, veio a compromisso profissional, como funcionário da Receita Federal.

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Embora seja formado em Medicina pela Universidade Federal de Santa Maria, Leonardo passou a trabalhar na Receita em 1997, como técnico do Tesouro Nacional. Posteriormente, passou a auditor fiscal do então Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). Com a reestruturação na área feita durante o governo Lula, tornou-se auditor fiscal da Receita Federal do Brasil. E nessa condição atuou em Santa Cruz, até 2011, quando voltou a morar em Santa Maria, cidade na qual já residira antes, e na qual segue radicado na atualidade. Por lá, a família cresceu, pois vieram as filhas Isabela, hoje com 7 anos, e Cecília, de 3 anos.

ARTES

Em meio às andanças, que se iniciaram quando ainda era menino, uma vez que o pai, Leonardo (daí o Junior), foi bancário (com passagem, dentre outras cidades, por Agudo), Leonardo Brasiliense aprendeu a conciliar seus horários de expediente na Receita Federal com a disciplina indispensável para escrever.

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Foi o gosto pela leitura que o conduziu de forma quase natural para se tornar, ele próprio, escritor. Costuma madrugar, acordando por volta das cinco horas, para produzir, nos mais diversos gêneros de texto aos quais se dedica, com ênfase na narrativa, até a hora de sair para o expediente na Receita.

E a veia artística ainda se revela no gosto pela música (toca guitarra), pelo cinema (como roteirista) e pela fotografia, tendo inclusive realizado mostra autoral em Santa Cruz, durante feira do livro. Aliás, esse evento não é novidade em sua carreira: em 2010, quando o escritor baiano João Ubaldo Ribeiro foi o patrono da edição, ele foi o escritor homenageado. Nos anos seguintes, em virtude do encontro de homenageados que os organizadores estruturaram, veio à feira em mais de uma ocasião, para lançamentos de novos livros, tanto de narrativa curta quanto de longa.

Que é o que vai ocorrer uma vez mais em 2019, quando poderá autografar em Santa Cruz seu novo livro de contos, lançado recentemente, o volume Eu vou matar Maximillian Sheldon, obra de estreia da editora Coralina, de Cachoeira do Sul. Com esse título Leonardo retoma a publicação de narrativas curtas, com as quais é fortemente identificado, depois de também ter colhido elogios com as novelas de Três dúvidas e o romance Roupas sujas, ambos pela Companhia das Letras. Seus livros têm granjeado, de forma recorrente, a atenção dos leitores, bem como foram finalistas e premiados em importantes prêmios e certames literários.

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Na semana passada, em meio a roteiro de lançamento e sessão de autógrafos do novo livro, Leonardo visitou Sobradinho e Cachoeira do Sul. No percurso entre as duas cidades, fez uma parada em Santa Cruz. Na oportunidade, visitou a Gazeta do Sul e aproveitou para conversar com o Magazine, diálogo que resultou na entrevista exclusiva dessa edição. Em breve, poderá conversar com o público, ao vivo e a cores, durante a Feira do Livro. O slogan até pode ser “Literatura em rede”, mas certamente nenhum leitor se privará de interagir com ele, confortavelmente instalados na Praça Getúlio Vargas.

O QUE LER

Livros lançados por Leonardo Brasiliense, em diferentes gêneros

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l Eu vou matar Maximillian Sheldon, contos, 2019, Coralina
l Roupas sujas, romance, 2017, Companhia das Letras
l Corpos sem pressa, minicontos, 2014, Atena Casa Verde
l Decapitados, romance, 2014, Benvirá
l Sofia e Mônica, infantojuvenil, 2014, Edelbra
l Três dúvidas, novelas, 2010, Companhia das Letras
l Whatever, infantojuvenil, 2009, Artes & Ofícios
l Olhos de morcego, contos, 2007, 7 Letras
l Adeus conto de fadas, infantojuvenil, 2007, 7 Letras
l Desatino, contos, 2002, Sulina
l Meu sonho acaba tarde, contos, 2000, WS Editor
l O desejo da psicanálise, ensaio, 1999, Sulina

 

ENTREVISTA

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Leonardo Brasiliense
Escritor, patrono da 32ª Feira do Livro de Santa Cruz do Sul

Magazine – Acabas de publicar novo livro de contos. Como é tua relação com esse gênero de texto, que tem apresentado certa efervescência editorial nos últimos anos?

Leonardo Brasiliense – É, de fato, tem muito conto sendo lançado, e eu não sei se isso significa muito conto sendo lido, porque o leitor médio é um leitor de romance. O grande volume de leitura da literatura de ficção é de romance, até porque é o mais fácil deles. O conto já exige um leitor um pouco mais sofisticado, talvez não tão sofisticado quanto o da poesia, que exige um leitor mais sofisticado ainda. Seu grau de abstração é mais elevado. Eu mesmo sou um leitor basicamente de romances, e essa é a média. O conto vende menos porque tem menos demanda de leitor. Agora, para escrever é uma delícia, é diferente. Eu me divirto com tudo, me divirto escrevendo romance, conto, miniconto. É como comer um prato diferente; são sabores diferentes, e de vez em quando é legal fazer uma coisa bem diferente.

Magazine – E tens algum projeto em andamento?

Sim, estou com novo projeto encaminhado junto à Companhia das Letras, que desenvolvi durante oficina do escritor Luiz Antonio de Assis Brasil. Uma oficina que fiz em 2015, de romance, que comecei a preparar ali. E aí em 2019 passei a escrever o romance que tinha começado a desenvolver na oficina. É a história de um cara que vive, ou é casado, com uma boneca de silicone. Ele teve dois casamentos anteriores, com mulheres de carne e osso, que não deram certo. Aí comprou uma boneca de silicone, apostando que agora vai dar certo. Sem muito spoiler, é isso. Ando pesquisando bastante sobre isso e assustado com tudo o que descobri. E essas bonecas são muito realistas. A do meu romance é de uma fábrica da Califórnia e é bem tradicional. Agora elas falam, e há projeto até de fazer uma com inteligência artificial, que vai interpretar a informação que vem do dono. É uma loucura. A do meu texto ainda é das tradicionais, mas já com design bem realista. Fiz uma jogada no texto para mostrar que minha cena acontece em 2015. Se alguém vier a ler o livro daqui a dez anos, poderia achar que, se as bonecas hoje caminham e fazem tudo, por que essa não faz? Minha história se passa em 2015 e para mim é importante que esta personagem não fale.

Magazine – Ser patrono da feira, o que representa?

Quando a Roberta [Corrêa Pereira, coordenadora da Feira do Livro] me convidou e disse que o tema era “Literatura em rede”, perguntei se ela estava certa do convite, porque eu não tenho nem rede social. Ela disse: nós sabemos disso. Pensei então que vai ter algum diálogo nesse sentido. O que percebo é que as pessoas hoje leem menos livro. Antes se chegava numa sala de espera de médico e via gente com livro ou revista. Agora está todo mundo com o smartfone na mão. Eu ainda levo livro para sala de espera de médico, e quando estou viajando de ônibus, tenho livro na bolsa. Mas a gente vê as pessoas com o smartfone. Tá, mas elas estão lendo um ebook? Não, não estão lendo livro. Essa é que é a questão. A questão não é o livro de papel ou em outro meio; a questão é que as pessoas não estão lendo livro. Elas estão em alguma rede social, em alguma rede de notícias que não é nem jornal, e sim alguma coisa mais esparsa. Não é livro.

Magazine – Ou seja, deixando de buscar certo conteúdo.

E o conteúdo do livro, não só de ficção, até de informação, não tem o que vá igualar. Uso internet para fazer pesquisa, desde sempre, mas ela tem um limite claro. Sempre acabo esbarrando numa indicação de livro, e aí compro o livro. Se tu queres ler mais, com mais profundidade, vais ter de comprar um livro. No site, no blog, a coisa tem limite de aprofundamento. A grande fonte ainda é o livro, e as pessoas estão perdendo isso, estão se contentando com o que adquirem de informação na internet. E é pouco.

Magazine – Por que não tens rede social?

Já tive rede social, em função da fotografia, mas cansei. Na rede social as pessoas colocam coisas da vida delas, e é como se tu tivesses obrigação de saber daquelas coisas. E tenho absoluta falta de tempo, já não tenho tempo para fazer as coisas que quero fazer, que preciso fazer, e daí quero ler. Não tenho tempo para rede social. Outra coisa: as pessoas que têm tempo para rede social vejo que não estão lendo livros, porque estão gastando o tempo nas redes sociais. A princípio não tenho rede social por falta de tempo, e se tivesse tempo ia ler mais livros.

Magazine – Por que os jovens precisariam ler mais?

Na minha época de criança a gente lia porque gostava, e porque aprendia que era importante, que enriqueceria a cada um. Fui ver um escritor de corpo presente no terceiro ano do segundo grau, e isso não foi nada decisivo na minha formação como leitor. Outro dia me perguntaram: como achas que a gente deve incentivar as crianças a ler? E fui bem sincero. Disse: a criança tem de aprender a gostar de ouvir histórias. Se aprender enquanto é bem pequena a gostar de ouvir histórias, quando ela aprender a ler vai ter vontade de ler histórias. Se tu estás dependendo da época da escola, a luta já está meio perdida. Depois que a criança fez 6, 7 anos e vai para a escola, ali vai se correr atrás do prejuízo. Ela vai se formar um leitor antes de saber; tem de ser uma pessoa que gosta de ouvir histórias, de exercitar a imaginação. E, naturalmente, ao aprender a ler ela vai ter essa vontade, essa avidez. Não sei, sou de outros tempos. Eu já era um leitor que sentia muito prazer com a leitura, e ao mesmo tempo a professora e os pais colocavam isso na cabeça da gente: ou tu queres ser uma pessoa mais rica interiormente, ou tu vais ser uma pessoa mais pobre interiormente. E que é problema teu, e segue sendo sempre problema de cada um.

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